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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

O jornalismo econômico

Já faz muito tempo que a economia é apresentada como uma ciência mágica, capaz de transportar o país para o progresso, sem esforço, e o jornalista econômico como o sujeito que usava o jargão econômico para se valorizar ou escrevia fácil sem explicar.
Desde os anos 70, o jornalismo econômico ajudou a montar a fantasia do saber mágico, pairando acima da realidade do país e das pessoas. Ajudamos a vender a fantasia do "milagre", período em que todo empresário era tratado como uma "raposa felpuda" que sabia tudo e tinha todas as virtudes.
Depois, nos anos 80, ajudamos a vender a morfina dos pacotes econômicos milagrosos. Desviamos a atenção nacional dos temas fundamentais, da educação, saúde, da gestão, da inovação, tudo trocado pela mística dos pacotes, pelo sebastianismo que atribuía a algumas pessoas o condão de transformar a vida nacional.
Nos anos 90 nos deixamos seduzir pela miragem da abertura financeira indiscriminada, pelos sofismas de que a criação de vulnerabilidade externa atrairia capital volátil, que, por si, atrairia o capital de investimento.
Ajudamos a vender o peixe de que, reduzindo a aposentadoria, os repasses para Estados e municípios, impondo um arrocho fiscal sem precedente, se abririam as portas do desenvolvimento para o país.
Muitas vezes deixamos de lado aspectos fundamentais da construção do país, o respeito ao seu povo, a compreensão da sua história, o entendimento da sua cultura, a análise dos seus personagens e agentes econômicos, tudo substituído pela superficialidade das análises diárias de mercado, tornando-nos portadores de uma racionalidade que jamais existiu nas mesas de operação.
Frequentemente abrimos mão do critério técnico, abdicamos da capacidade autônoma de análise, conferindo a procuração a analistas sem nenhum pingo de consistência ou meramente preocupados em defender interesses de sua clientela.
Mas nos últimos tempos há mudanças no ar, uma preocupação maior em selecionar fontes, em ir buscar na realidade a confirmação ou o desmentido de teorias. Há muito a caminhar. O foco do jornalismo econômico tem que ser a defesa dos valores que, levando ao desenvolvimento, ajudem o país a sair de sua condição de miséria. Há que exorcizar esse fiscalismo inconsequente que sufocou o país, a política monetária que sugou todo o recurso público para o pagamento de juros, o receio de investir contra mentiras estabelecidas.
Não basta explicar. É preciso explicar criticamente, questionar as afirmações econômicas, conferir o que é consistente e denunciar a burla, a farsa.
Grande parte do desafio de romper com esse moto-contínuo da estagnação está nas mãos do jornalista econômico, em nossa capacidade de identificar novas idéias, de questionar o que não deu certo, de trazer à tona o pensamento inovador que, nos últimos anos, foi sufocado por uma visão financeira estreita da economia.
O país conta com o nosso trabalho para escapar da maldição do subdesenvolvimento.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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