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COMÉRCIO MUNDIAL
Ministro Celso Amorim pede que organização mostre resultados em matéria de liberalização agrícola
Sem abertura, Brasil vê OMC "irrelevante"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN
Celso Amorim, o ministro brasileiro de Relações Exteriores, disse ontem que "a Organização
Mundial do Comércio corre o risco de se tornar irrelevante", se a 5ª
Conferência Ministerial da instituição não produzir resultados
em matéria de liberalização agrícola e de impulso ao desenvolvimento.
O duro discurso do chanceler,
na sessão matinal, torna-se ainda
mais significativo quando se sabe
que há imensas dificuldades entre
os 146 países-membros da OMC
para chegar a acordos em qualquer um dos muitos pontos em
discussão em Cancún (México),
especialmente em agricultura.
Por extensão, o risco de irrelevância é presente e claro.
O discurso do chanceler foi
temperado com menções reiteradas aos temas sociais. Primeiro,
afirmou que "o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva está totalmente comprometido com a justiça social", para emendar:
"Nós queremos fazer do comércio e da liberalização comercial
instrumentos de mudança social.
O comércio tem que ser uma ferramenta não apenas para criar riqueza, mas também para distribuí-la, de maneira mais equitativa".
O ministro reconheceu que a
OMC parece ter perdido o sentido
de urgência que marcou o lançamento da Rodada Doha de Desenvolvimento, dois anos atrás,
na capital do Qatar.
Por isso, há o risco de "irrelevância", mas também o "perigo
de fragmentação", uma alusão à
expectativa de que o fracasso das
negociações globais leve a um
surto de acordos regionais de livre
comércio.
Amorim cobrou "a efetiva incorporação" às metas da OMC de
"preocupações e metas de desenvolvimento".
Atacou: "Elas não podem ser
uma decorrência tardia de regras
feitas na medida das necessidades
dos países em desenvolvimento
ou um pé de página em acordos
que em grande medida ignoram o
mundo em desenvolvimento".
Pró-abertura
Como era previsível, o chanceler brasileiro fez a mais enfática
defesa da abertura agrícola mundial.
"Nenhum outro item destas negociações nem remotamente se
compara com o impacto que a reforma da agricultura pode ter no
alívio da pobreza e na promoção
do desenvolvimento".
Amorim fez o elogio do G21, o
grupo de países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia,
que se transformou na atração do
encontro de Cancún por, ao menos na entusiasmada visão do
chanceler, "ter alterado profundamente a correlação de forcas"
na OMC.
Pode ser exagero de um dos
principais responsáveis pela criação do G21, mas é sintomático
que, na entrevista coletiva concedida ontem à tarde por Peter Allgeier, subchefe da delegação norte-americana, um repórter do influente "The Wall Street Journal"
tenha perguntado se a criação do
G21 não configurava uma batalha
entre o Brasil e o Estados Unidos
na OMC. Claro que Allgeier, diplomaticamente, disse que não:
"É uma negociação entre 146 países, e não um confronto bilateral
com quem quer que seja".
Advertência aos ricos
Batalha bilateral ou não, o fato é
que o ministro brasileiro cuidou
de advertir os países ricos para
que, "em vez de nos confrontar ou
tentar nos dividir, juntem forças
conosco na tarefa de injetar nova
vida no sistema multilateral de
comércio".
Terminou com mais uma nota
de tom social, ao pedir que todos
se unam para que o sistema global
de comércio "seja levado para
mais perto das necessidades e aspirações daqueles que têm estado
nas suas margens -de fato, a vasta maioria-, aqueles que não
têm tido a chance de colher os frutos dos seus instrumentos".
A menção à tentativa de dividir
o G21 é uma óbvia referência à
chuva de rumores que inunda o
Centro de Convenções de Cancún, QG da reunião, sobre pressões e promessas feitas pelos Estados Unidos e pela União Européia
aos países mais pobres do grupo,
para tentar minar a unidade do
novo grupo.
O Centro Internacional para
Comércio e Desenvolvimento
Sustentado, uma das mais respeitadas instituições de pesquisa sobre comércio, com base em Genebra, reproduz no seu boletim de
ontem o que a Folha já havia antecipado na terça-feira:
"Segundo fontes, o presidente
George W. Bush telefonou no início da semana para alguns líderes
do G21 (África do Sul, Índia e Brasil), em uma malsucedida tentativa de evitar que esses países adotem uma posição forte contra os
países desenvolvidos em agricultura".
O Centro diz também que há informações de que os Estados Unidos estão pressionando países
árabes, ao passo que a União Européia faz o mesmo com países
africanos, caribenhos e do Pacífico, para evitar que também se
juntem ao G21.
Corpo mole
Já a Action-Aid, outra ONG de
presença internacional (Brasil inclusive), diz que os norte-americanos procuraram Costa Rica,
Guatemala e El Salvador, países
centro-americanos membros do
G21, para oferecer cotas de importação de produtos em troca do
abandono do grupo.
É pouco provável que a pressão,
se há, seja mesmo nessa direção.
Não haveria justificativa razoável
para que um país que aderiu há 15
dias ao G21 o abandone agora.
O mais provável é que a pressão
seja para que esses países façam
corpo mole na hora em que começarem para valer as negociações agrícolas.
Os rumores são tão fortes que
frequentaram várias perguntas
feitas ontem a Allgeier. Ele confirmou conversas com muitos países, inclusive o Brasil, mas disse,
fazendo cara de repulsa, que "não
é apropriado falar em trato"
("deals", em inglês, que, de fato,
pode ter uma conotação suspeita).
"Estamos tentando apenas verificar onde há pontos comuns [entre os países]", completou Allgeier na entrevista coletiva.
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