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OPINIÃO ECONÔMICA
O fim do ócio
RUBENS RICUPERO
Lembram-se de quando era
moda para economistas como
Galbraith prever que no fim do
século não saberíamos o que fazer
com o tempo livre? Pois bem, estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
acaba de revelar que os americanos trabalham quase 2.000 horas
por ano! O pior (ou melhor, a depender do ponto de vista) é que o
número de horas de trabalho
anuais por pessoa não cessa de
aumentar, tendo saltado de 1.883,
em 80, para 1.942, em 90, e 1.996,
em 97.
A tendência já havia sido detectada pela economista de Harvard
Juliet B. Schor, que publicou no
início da década "The Overworked American", com o subtítulo
"The Unexpected Decline of Leisure", ou "O Americano Sobrecarregado de Trabalho - O Inesperado Declínio do Ócio". O livro
observava que, após ter diminuído gradualmente até 39 horas, a
semana de trabalho tinha começado a crescer de novo. Na época
da publicação, o trabalhador médio já estava trabalhando 164 horas extras por ano, o equivalente
a um mês adicional. O curioso é
que isso ocorreu justamente
quando a família em que marido
e mulher trabalham estava se tornando a norma da classe média e
o desemprego era expressivo.
Conforme sugere o subtítulo, o
encolhimento do tempo livre foi
inteiramente inesperado, pois
veio inverter tendência para a redução da semana de trabalho que
datava da reação dos sindicatos à
exploração do capitalismo selvagem da Revolução Industrial,
quando se chegava a trabalhar 70
e até 80 horas semanais.
Quais teriam sido as causas dessa surpreendente inversão de expectativas? Segundo a autora, haveria três principais: 1ª) a própria
natureza do capitalismo; 2ª) o
eclipse do movimento sindical;
3ª) a estagnação do nível de vida
a partir de 1973.
Não se falava ainda de globalização quando a pesquisa foi publicada. Por isso, a economista se
refere simplesmente à lógica do
mercado, que é esticar as horas de
trabalho ao máximo, até o ponto
em que o governo ou os sindicatos
intervêm. Para o empregador, é
melhor dispor de prolongada semana de trabalho com pouca
gente do que ter de contratar número maior de trabalhadores
com tudo o que isso significa em
termos de treinamento, custos
adicionais, não só com salários,
mas Previdência, e toda a parafernália de taxas e contribuições
que oneram a folha.
O desdobramento natural da
primeira causa nos conduz à segunda. Se o único fator limitativo
da tendência ao aumento é a oposição do governo e dos sindicatos,
segue-se que a desregulamentação da economia a partir de Reagan e o enfraquecimento sindical
deixam o campo livre aos patrões.
A prova é que, na Europa, onde os
governos e sindicatos não desarmaram, caminha-se para a semana de 35 horas (já é lei na França)
e para quatro até seis semanas de
férias (em contraste com as férias
americanas de duas semanas).
O terceiro motivo é que, durante duas décadas, os salários médios e o nível de vida se mantiveram estagnados (só começaram a
melhorar recentemente). O resultado é que as pessoas tinham de
trabalhar mais horas a fim de
não sofrer deterioração do estilo
de vida, "correr para ficar parado".
É interessante que a evolução
americana contrasta com a japonesa, que indica decréscimo de
2.121 horas, em 80, para 2.031, em
90, e 1.889, em 95 (último dado
disponível). Quem diria, alguns
anos atrás, que os americanos superariam em horas de trabalho os
aparentemente imbatíveis nipônicos?
O contraste ainda é maior com
a Europa, onde, em 97, na Noruega se trabalhavam 1.399 horas e,
na Suécia, 1.552. Na França, em
96, eram 1.656 e, na Alemanha,
1.560, nesse mesmo ano.
A questão toda é saber quem
antecipa o futuro, a tendência ascendente nos EUA ou a declinante na Europa e no Japão? Até que
ponto esse é um dos fatores que
explicam o melhor desempenho
da economia americana? Será
uma das consequências inelutáveis da globalização (que exacerba a concorrência), um dos indícios confirmando que os EUA
completaram antes que os demais
uma transformação estrutural
que os outros terão de imitar? Ou,
como já sucedeu no passado, trata-se de fenômeno passageiro que
pode ser invertido pelo governo e
pelos sindicatos?
São perguntas relevantes, pois a
redução da semana de trabalho
sempre foi vista como parte do esforço para humanizar a economia e melhorar a qualidade de vida. Se as pessoas forem condenadas a dispor cada vez de menos
tempo livre para dedicar aos filhos, ao aperfeiçoamento pelo estudo, à recreação, às artes, às atividades religiosas e comunitárias,
que tipo de mundo iremos criar?
Ainda se pudéssemos encontrar
consolo na idéia de que o ser humano se realiza no trabalho (e no
amor, não esqueçamos), vá lá, teríamos ao menos 50%. Mas será
que é desse trabalho atual que estamos falando ou de um outro,
menos embrutecedor, menos alienante? Quantos poderão aspirar
de verdade a um trabalho criativo, realizador, que se faz com prazer?
Os americanos inventaram a
palavra "workaholic", mas foi
também um americano que declarou: "Se o trabalho duro fosse
tão maravilhoso como dizem, os
ricos teriam reservado tudo para
si, não deixando nada para os outros". Ou, se preferirem, como comentário mais adequado a esse
admirável mundo novo em que,
em lugar de trabalhar para viver,
se viverá para trabalhar, esta frase de André Breton no "Manifesto
do Surrealismo":
"De nada vale estar vivo se somos obrigados a trabalhar".
Rubens Ricupero, 62, secretário-geral da
Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), é
autor de "O Ponto Ótimo da Crise" (editora
Revan). Escreve aos domingos nesta coluna.
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