São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Geopolítica dos impérios entra em crise

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O destino da Rússia será decidido nos próximos meses. Os sinais que continuam surgindo são assustadores. O presidente Ieltsin foi explicitamente incriminado num episódio de corrupção na semana passada.
Faz tempo que o império soviético ruiu, a queda do muro de Berlim completa dez anos daqui a um mês, mas os efeitos do desmoronamento continuam fazendo vítimas nos mais altos círculos de poder. A perspectiva é de fortalecimento das forças armadas.
A China, até agora, tem resistido. Para alguns economistas, o sucesso chinês deve-se à opção gradualista que vinha sendo implementada. Mas os problemas desse outro sistema de dimensão e vocação imperial estão se agravando, assim como ocorreu na União Soviética, na razão direta da velocidade de liberalização.
A maioria dos analistas aponta as empresas estatais chinesas como fonte e foco dos problemas. Recomendam uma aceleração do processo de privatização.
Isso pode fazer sentido do ponto de vista econômico, mas os técnicos ocidentais parecem esquecer que, por dentro das estatais, o que existe é uma poderosa rede controlada pelos militares. O desmonte econômico não se fará sem um arranjo com esses setores.
Qualquer descuido nessa área cria desequilíbrios no sistema de poder que tendem a se tornar mais perversos e desestruturantes que os problemas econômicos que, em tese, o desmonte do Estado pretendia resolver.
Há na China um Comitê Central Militar (CCM), comandado pelo presidente Jiang Zemin. No último dia 1 de setembro, o CCM reafirmou a predominância do Partido Comunista Chinês sobre o Exército de Libertação do Povo. Nesse tipo de sistema, um comunicado dessa natureza já é sinal de que as coisas não andam bem.
O comunicado adverte para uma certa dificuldade das forças armadas, de natureza ideológica, com relação à modernização segundo o princípio da "economia de mercado socialista".
Claro que, por trás dessa dificuldade, o que está em jogo é a capacidade de o partido manter o controle sobre o Exército num momento de aceleração das reformas e agravamento da crise econômica, a um mês da celebração dos 50 anos da Revolução Chinesa.
Há cerca de um ano, Jiang Zemin dava início ao desmonte do poderio econômico dos militares. São 15 mil empresas com receitas anuais estimadas em US$ 25 bilhões, em comparação a um orçamento militar oficial de US$ 9,7 bilhões, segundo o Centro de Inteligência Global Stratfor.
A expansão dos interesses econômicos dos militares era uma forma de aprofundar a revolução, garantindo empregos sem sobrecarregar o orçamento fiscal.
O outro lado da moeda foi o aumento da corrupção e o gradual desenvolvimento de conflitos de interesse entre burocratas e militares.
Ainda segundo a Stratfor, desde o momento em que Zemin começou a tentar desmontar o sistema surgiram evidências cada vez mais claras de que as informações disponíveis não eram confiáveis.
Pior: setores militares estariam rapinando o máximo antes de entregar os ativos apodrecidos para o Partido Comunista.
O governo central, além de ficar com o problema, passou a enfrentar duas pressões dos militares: pelo aumento do orçamento do setor e por compensações à devolução das empresas estatais.
Ou seja, a solução tão intensamente sugerida por economistas e técnicos ocidentais teve o dom de multiplicar os problemas, tanto econômicos quanto de ordem militar e estratégica. E não apenas internos, como revelam as tensões recentes com relação ao futuro de Taiwan.

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