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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desenvolvimento: o sonho não acabou...
LUCIANO COUTINHO
Em seminário nesta semana
no Rio de Janeiro, organizado
pela UERJ e pela UFRJ, discutiu-se o tema do desenvolvimento
no contexto da mundialização
dos mercados de capitais e da
hegemonia unipolar dos Estados Unidos.
O desenvolvimento dos países
periféricos combinou-se com a
expansão do capitalismo central
até o início dos anos 70, quando,
sob o "regime de Bretton
Woods", a ordem internacional
comportava a prática do protecionismo industrializante e a regulação nacional do crédito, especialmente se as economias estivessem abertas às transnacionais.
Nos anos 80 e 90, sob o paradigma neoliberal, diluiu-se a
"legitimidade" dos projetos de
desenvolvimento e debilitaram-se os Estados nacionais. Liberalização, desregulação e privatização passaram a constituir os
pilares de uma suposta "nova
ordem" que promoveria a modernização e o progresso por força das virtudes da eficiência alocativa dos mercados de capitais.
Estado e projeto nacional de desenvolvimento passaram a ser
tachados como anacronismos. A
América Latina embarcou com
tudo nesse vagão: abriu-se financeiramente, usou âncoras
cambiais para conter seus processos inflacionários, incorreu
em anos seguidos de sobrevalorização cambial com elevados
déficits externos e privatizou sofregamente.
Colhida pela crise internacional, desde 1977, a região -e o
Brasil incluído- vem amargando dura recessão, sem perspectivas de crescimento sustentável. A fragilização foi profunda: muitas cadeias setoriais da
indústria foram desarticuladas,
as exportações não reagem, a
desnacionalização foi intensa,
os passivos externos se avolumaram, cobram um pesado serviço
anual de juros e lucros e as dívidas domésticas emparedam os
bancos centrais. Não há mais
rumo no Brasil e no continente
-nem de radicalização das reformas liberais (pois não há
mais suporte político doméstico
para isso na maioria dos países)
nem tampouco de uma rota alternativa de desenvolvimento
com reformas democráticas.
Por isso, mais que oportuno o
debate no Rio a propósito do novo livro "Estados e moedas no
desenvolvimento das nações",
organizado por José Luis Fiori.
Nele, dois preciosos contrapontos afirmativos da viabilidade e
do avanço de projetos nacionais
de desenvolvimento: China e
Coréia do Sul.
A China atravessou as décadas de 80 e 90 com impressionante desempenho, alcançando
crescimento médio do PIB próximo a 10% ao ano. As exportações se expandiram a 16% ao
ano, saltando de US$ 27 bilhões
em 1985 para de US$ 184 bilhões
em 1998. Melhorias substanciais
de infra-estrutura, padrão de vida e redução da pobreza são fatos incontestáveis. Nos últimos
três anos de crise asiática a China desacelerou um pouco o seu
ritmo -vem crescendo a cerca
de 7,5% ao ano. A sua agricultura preocupa e a implementação
do programa de reformas (que
visa injetar eficiência nas empresas e impor critérios creditícios mais rigorosos) vem causando desemprego. As exportações começaram a se desacelerar
diante das fortes depreciações
competitivas das outras moedas
asiáticas. Os desafios se avolumam.
Mas a China tem pleno controle sobre o seu balanço de pagamentos e sobre os fluxos de capitais (pode escolher o momento
que quiser, mais adiante, para
desvalorizar o yuan, sem maiores traumas); sua taxa de juros
de longo prazo é de apenas 4,7%
ao ano.
Carlos Medeiros, autor do artigo sobre a China, assinala que
"o governo chinês demonstrou
ter desde o início das reformas
de 1979 uma impressionante capacidade de intervenção, explorando as oportunidades surgidas", e deposita esperança de
que será capaz de atravessar os
difíceis desafios.
Já a Coréia do Sul, que flertou
despudoradamente com o neoliberalismo desde meados dos
anos 90 e derrapou feio em aguda crise cambial no fim de 1997,
já empreendeu uma rápida e
impressionante reviravolta. Em
apenas 12 meses (de dezembro
de 1997 para dezembro de 1998)
as reservas de divisas subiram
de praticamente zero para US$
52 bilhões, em decorrência da espetacular reversão da balança
comercial (de um déficit de US$
8,5 bilhões em 1997 para um superávit de US$ 39 bilhões em
1998). O PIB, que havia crescido
a uma taxa anual média de
6,8% ao ano no período de 1992-1997, caiu fortemente em 1998 (-5,5%), mas já se projeta crescimento de 6% em 1999.
A reestruturação dos grandes
conglomerados coreanos, a ênfase nas indústrias de alto valor
agregado e a preocupação em
fomentar a ciência e tecnologia
para capturar oportunidades
em novos setores intensivos em
conhecimento revelam que a
Coréia não apenas conseguiu
dar a volta por cima (praticamente sem desnacionalização
de seu sistema empresarial),
mas ambiciona retomar o sonho
de ingressar no clube restrito dos
países de vanguarda da 3ª revolução industrial.
No Brasil, porém, os desequilíbrios e passivos acumulados nos
últimos anos colocam sérios obstáculos à retomada do crescimento sustentável. O país se debate com uma economia desarticulada, deficitária e endividada, com o Estado debilitado e
com profunda fragilização do
empresariado nacional. O desenvolvimento, infelizmente,
ainda parece distante como
uma miragem, pois será necessário, antes, reconstruir fundamentos para sustentá-lo. É hora
de começar!
Luciano Coutinho, 53, é professor titular
do Instituto de Economia da Universidade
de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia
(1985-88).
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