São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desenvolvimento: o sonho não acabou...

LUCIANO COUTINHO

Em seminário nesta semana no Rio de Janeiro, organizado pela UERJ e pela UFRJ, discutiu-se o tema do desenvolvimento no contexto da mundialização dos mercados de capitais e da hegemonia unipolar dos Estados Unidos.
O desenvolvimento dos países periféricos combinou-se com a expansão do capitalismo central até o início dos anos 70, quando, sob o "regime de Bretton Woods", a ordem internacional comportava a prática do protecionismo industrializante e a regulação nacional do crédito, especialmente se as economias estivessem abertas às transnacionais.
Nos anos 80 e 90, sob o paradigma neoliberal, diluiu-se a "legitimidade" dos projetos de desenvolvimento e debilitaram-se os Estados nacionais. Liberalização, desregulação e privatização passaram a constituir os pilares de uma suposta "nova ordem" que promoveria a modernização e o progresso por força das virtudes da eficiência alocativa dos mercados de capitais. Estado e projeto nacional de desenvolvimento passaram a ser tachados como anacronismos. A América Latina embarcou com tudo nesse vagão: abriu-se financeiramente, usou âncoras cambiais para conter seus processos inflacionários, incorreu em anos seguidos de sobrevalorização cambial com elevados déficits externos e privatizou sofregamente.
Colhida pela crise internacional, desde 1977, a região -e o Brasil incluído- vem amargando dura recessão, sem perspectivas de crescimento sustentável. A fragilização foi profunda: muitas cadeias setoriais da indústria foram desarticuladas, as exportações não reagem, a desnacionalização foi intensa, os passivos externos se avolumaram, cobram um pesado serviço anual de juros e lucros e as dívidas domésticas emparedam os bancos centrais. Não há mais rumo no Brasil e no continente -nem de radicalização das reformas liberais (pois não há mais suporte político doméstico para isso na maioria dos países) nem tampouco de uma rota alternativa de desenvolvimento com reformas democráticas.
Por isso, mais que oportuno o debate no Rio a propósito do novo livro "Estados e moedas no desenvolvimento das nações", organizado por José Luis Fiori. Nele, dois preciosos contrapontos afirmativos da viabilidade e do avanço de projetos nacionais de desenvolvimento: China e Coréia do Sul.
A China atravessou as décadas de 80 e 90 com impressionante desempenho, alcançando crescimento médio do PIB próximo a 10% ao ano. As exportações se expandiram a 16% ao ano, saltando de US$ 27 bilhões em 1985 para de US$ 184 bilhões em 1998. Melhorias substanciais de infra-estrutura, padrão de vida e redução da pobreza são fatos incontestáveis. Nos últimos três anos de crise asiática a China desacelerou um pouco o seu ritmo -vem crescendo a cerca de 7,5% ao ano. A sua agricultura preocupa e a implementação do programa de reformas (que visa injetar eficiência nas empresas e impor critérios creditícios mais rigorosos) vem causando desemprego. As exportações começaram a se desacelerar diante das fortes depreciações competitivas das outras moedas asiáticas. Os desafios se avolumam.
Mas a China tem pleno controle sobre o seu balanço de pagamentos e sobre os fluxos de capitais (pode escolher o momento que quiser, mais adiante, para desvalorizar o yuan, sem maiores traumas); sua taxa de juros de longo prazo é de apenas 4,7% ao ano.
Carlos Medeiros, autor do artigo sobre a China, assinala que "o governo chinês demonstrou ter desde o início das reformas de 1979 uma impressionante capacidade de intervenção, explorando as oportunidades surgidas", e deposita esperança de que será capaz de atravessar os difíceis desafios.
Já a Coréia do Sul, que flertou despudoradamente com o neoliberalismo desde meados dos anos 90 e derrapou feio em aguda crise cambial no fim de 1997, já empreendeu uma rápida e impressionante reviravolta. Em apenas 12 meses (de dezembro de 1997 para dezembro de 1998) as reservas de divisas subiram de praticamente zero para US$ 52 bilhões, em decorrência da espetacular reversão da balança comercial (de um déficit de US$ 8,5 bilhões em 1997 para um superávit de US$ 39 bilhões em 1998). O PIB, que havia crescido a uma taxa anual média de 6,8% ao ano no período de 1992-1997, caiu fortemente em 1998 (-5,5%), mas já se projeta crescimento de 6% em 1999.
A reestruturação dos grandes conglomerados coreanos, a ênfase nas indústrias de alto valor agregado e a preocupação em fomentar a ciência e tecnologia para capturar oportunidades em novos setores intensivos em conhecimento revelam que a Coréia não apenas conseguiu dar a volta por cima (praticamente sem desnacionalização de seu sistema empresarial), mas ambiciona retomar o sonho de ingressar no clube restrito dos países de vanguarda da 3ª revolução industrial.
No Brasil, porém, os desequilíbrios e passivos acumulados nos últimos anos colocam sérios obstáculos à retomada do crescimento sustentável. O país se debate com uma economia desarticulada, deficitária e endividada, com o Estado debilitado e com profunda fragilização do empresariado nacional. O desenvolvimento, infelizmente, ainda parece distante como uma miragem, pois será necessário, antes, reconstruir fundamentos para sustentá-lo. É hora de começar!


Luciano Coutinho, 53, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).

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