São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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LUÍS NASSIF
O último dia do jogo

No apogeu dos cassinos, nos anos 40, havia os Visconti, do Rio, e havia o mineiro Joaquim Rolla, que controlava o Cassino da Urca, no Rio e em Poços de Caldas, o da Pampulha, em Belo Horizonte, o do Grande Hotel Araxá, a Quitandinha e o Cassino Icaraí, em Niterói.
Rolla era um sujeito alto, forte, enfrentava cinco meninos nas petecas de praia, era caipira, provavelmente de Passos, e tinha o dom da conversa. Foi íntimo de JK e Amaral Peixoto.
No mais luxuoso de seus cassinos, o Quitandinha, havia salão de 150 metros quadrados de circunferência com uma cúpula, onde estrelas e lua iluminavam 40 roletas.
Mais modesta, a Urca, de Poços, foi construída pelos Moreira Salles, depois arrendada para Rolla. Lá, havia apenas quatro roletas, mas que entretinham grandes jogadores paulistas como Azem Azem, os Calfat, Adis Sadi, da Mercedes-Benz, Zarzur, do Banco São Paulo. Os jogadores eram chamados de parceiros. No Rio, os maiores "parceiros" eram Gervásio Seabra e Arthurzinho Bernardes.
No Rio, toda segunda-feira Rolla reunia seus funcionários no Salão Vermelho, para passar instruções e evitar conluios com parceiros. Um dos tipos mais perigosos era o "sistemista", o sujeito que gostava de planejar sistemas de jogo na roleta.
Na roleta tem preto e vermelho. Se jogava só no vermelho, uma hora acertava. Por isso, quando apareciam os "sistemistas" -em geral um povo com ar de entendido, que só falava em inglês-, Rolla aceitava no máximo dois contos por aposta. Fim de jogo.
Em 1946, logo após uma das reuniões de segunda-feira, na saída, Rolla encontrou dona Santinha, a senhora do marechal Eurico Gaspar Dutra, candidato à Presidência da República:
"Olha Rolla, vim pedir para seu pessoal votar no Dutra".
"Não posso, dona Santinha, porque corre por aí que vocês vão fechar o jogo."
"Vim aqui especialmente para desmentir. O Dutra não vai fechar."
Rolla tinha 3.500 funcionários. Soltou circular pedindo o voto para Dutra. Três dias depois de eleito, Dutra fechou o jogo.
Em Poços, foi como se o mundo desabasse para o pessoal do jogo.
Na última temporada do jogo, o grande destaque entre as atrações nacionais da cidade foi Juan Daniel, o pai de Daniel Filho, que cantava acompanhado de duas mulheres. Os jornais da época noticiaram que Dalva de Oliveira teve um caso com um negro, tintureiro -e fiquei cá pensando se não seria o Lazinho, que tocava uma guitarra elétrica de primeira e todo dia subia de bicicleta a rua de casa, recolhendo roupas para a tinturaria. Os "Milionários do Ritmo", de Djalma Ferreira, fizeram sucesso, assim como Berry Brothers, trio negro americano que trabalhava em musicais da Metro. Mesquitinha regia orquestra, Ankito era acrobata e Mercedes Simoni cantava tangos. Todos trazidos por Joaquim Rolla.
Depois disso, nunca mais o Gibimba e seus jardins que abrigaram as Irmãs Pagãs. Alzirinha Camargo, a doce Roxana, que acabou se casando com um prefeito de Poços, o casal Mary and Trotsky. Nunca mais o Ao Ponto, com as músicas de Príncipe Maluco, Nellys Biju, Zilah Fonseca, Fritz Gallantneir.
Acabava-se o jogo. Em compensação, nascia Poços.

Ajuste fiscal
Segundo o "Guia Financeiro da Agência Dinheiro Vivo", que circula neste final de semana, os argumentos do governo para sustentar a viabilidade do ajuste fiscal são da seguinte ordem:
1) há R$ 4 bilhões alocados como "receita condicionada", que dependem ainda de o Congresso aprovar a prorrogação de impostos. Amarrado nesse item estão também "despesas condicionadas". Não havendo a receita, não haverá a despesa;
2) dúvidas se o STF vai manter a contribuição sobre os inativos, que representa mais R$ 1,3 bilhão no Orçamento. A esperança do governo é que o STF reconheça a constitucionalidade da cobrança, mas considere abusiva a alíquota de 25%, incluída pelo próprio Congresso para transformar o imposto em cascata. Se voltar o piso de 11%, a diferença será coberta por duas providências alternativas:
a) nova proposta de, por exemplo, alíquota única de 14%;
b) a contribuição dos inativos militares. Por enquanto os próprios militares já aceitam 6%.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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