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GESNER OLIVEIRA
Saudades do crescimento
Termino período de quase 7 anos de colaboração na Folha; passou rápido, mas daria para ler a "Montanha Mágica"
NÃO DÁ para disfarçar a dor-de-cotovelo com o resultado
da corrida do desenvolvimento das últimas décadas. O Brasil,
que já foi campeão de crescimento,
está em penúltimo lugar nas projeções de PIB para 2007 entre as 25
maiores economias emergentes, segundo relatório das Nações Unidas
divulgado nesta semana. Os artigos
desta coluna procuraram refletir sobre essa frustração.
O Brasil assistiu ao sucesso da Irlanda a partir dos anos 70; à rápida
integração de Portugal e Espanha ao
bloco europeu a partir dos 80. À
transformação do Chile e à ultrapassagem do México nos 90. E, neste
início de século 21, ao contraste com
o fenômeno China e à perda de
oportunidade representada pela expansão mundial.
Um país com tantas mazelas sociais como o Brasil não pode se dar
ao luxo de desperdiçar chances de
ouro. O problema é como romper
com quase três décadas de semi-estagnação de maneira duradoura. Ao
reler os 344 artigos desta coluna
desde 10 de junho de 2000, é possível identificar temas comuns e perceber uma insatisfação com o debate nacional sobre a questão econômica.
Em primeiro lugar, é equivocada a
esperança cega de que haverá um
Dia D das reformas. O desenvolvimento de uma economia em transição como a brasileira requer um fluxo contínuo de mudanças estruturais que vão muito além de alterações formais ou de novas siglas, como a do esperado PAC (Pacote de
Aceleração Econômica). A mudança
real exige estratégia, amadurecimento institucional e uma nova cultura. É processo que requer tempo e
transcende os ciclos presidenciais.
Em segundo lugar, é falso o dilema
entre aqueles que rechaçam qualquer tipo de ação do Estado para induzir o desenvolvimento e os que
gostariam de voltar a um passado de
intervencionismo. Colocado nesses
termos, o ativismo governamental e
a preocupação com as instituições
acabariam erroneamente em pólos
opostos. Em um extremo, é como se
o Estado pudesse ser dirigido por
uma espécie de piloto automático.
Em outro, é como se governantes
bem-intencionados e esclarecidos
pudessem maximizar o bem-estar
da sociedade, independentemente
da qualidade das instituições.
Nenhuma das alternativas serve
ao Brasil. O segredo reside em conciliar o ativismo da política pública
com uma engenharia institucional
adequada. Essa expressão pomposa
designa a construção de instituições
capazes de conferir transparência e
credibilidade à política pública.
Em terceiro lugar, houve uma
preocupação em valorizar temas
normalmente esquecidos no debate.
Durante décadas, o foco recaiu quase que exclusivamente nas questões
macroeconômicas. A gravidade do
problema inflacionário entre os
anos 50 e 90 torna compreensível
tal fenômeno. A estabilização da
economia a partir do Plano Real permitiu, por exemplo, que questões
como a da regulação e da defesa da
concorrência ganhassem importância.
É ilustrativo a esse respeito o debate em torno das agências reguladoras. É inegável que o Estado tem
um importante papel a cumprir em
setores de base. O aumento do investimento público constitui uma
das condições essenciais para evitar
o apagão geral da infra-estrutura.
Porém a ação estatal apenas será eficaz se a arquitetura institucional for
adequada para reduzir a insegurança jurídica. Infelizmente, o enfraquecimento das agências reguladoras federais aponta na direção oposta àquela que seria necessária para
reduzir a incerteza e estimular o investimento produtivo.
Hoje, termino período de quase sete
anos de colaboração semanal nesta
coluna (passou rápido, mas daria para ler com folga a "Montanha Mágica", de Thomas Mann). A partir de
segunda, passo a me dedicar a novos
desafios na administração pública
indireta. Houve uma única interrupção, quando, por conta de um
desses excessos de "workaholismo",
fui parar no hospital.
Recebi muitas mensagens contendo críticas e sugestões aos artigos. Essa interação é a melhor parte
do trabalho do colunista. Uma seleção revisada dos artigos já deveria
estar no prelo para virar um livro
(ou dois). É uma retribuição modestíssima pelo privilégio deste encontro semanal com os leitores da Folha.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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