São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 2002

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CÚPULA DE MADRI

Instabilidade política e econômica na região dificulta negociações de livre comércio com bloco europeu

União Européia cobra definição do Mercosul

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

As negociações entre o Mercosul e a União Européia, que serão objeto de uma segunda reunião de cúpula, na sexta-feira em Madri, estão impondo ao bloco do Sul a necessidade de definir o que pretende de fato ser e que políticas vai aplicar.
A resposta do Mercosul tornou-se ainda mais relevante agora que, pela primeira vez, uma autoridade brasileira, como o ministro Sérgio Amaral, admite que a outra grande negociação regional (a Alca, Área de Livre Comércio das Américas) pode não sair do papel ou tomar um forma inaceitável para o país.
No caso da negociação com a Europa, trata-se, para usar o jargão diplomático, de saber se o Mercosul será apenas uma zona de livre comércio ou uma união aduaneira. A diferença não é pequena.
Zona de livre comércio pressupõe que seus integrantes reduzam a zero as tarifas de importação para os demais parceiros do bloco. Já a união aduaneira incorpora essa medida, mas dá um passo adiante: exige que os membros da união tenham as mesmas tarifas de importação para países não-membros do bloco (é a chamada TEC, Tarifa Externa Comum).
"Os europeus não vêem direito o que é e o que quer o Mercosul", depõe, por exemplo, o empresário Luiz Fernando Furlan, do grupo Sadia, que será eleito em Madri, no Fórum Empresarial Mercosul-União Européia, presidente do fórum pelo lado Mercosul.
A queixa européia procede: o Mercosul é hoje uma união aduaneira incompleta. Tem uma TEC, que cobre perto de 88% do universo tarifário, mas que exclui exatamente os setores mais relevantes (automóveis, bens de capital, informática e telecomunicações), além de açúcar e das listas de exceção de cada país.
Ampliar a TEC para todo o universo de importações do Mercosul significaria que o bloco teria uma política comercial externa comum, o que daria escala e previsibilidade aos negócios dos parceiros do Mercosul. Mas também definiria que política industrial seria praticada em todos os países do bloco, ou seja, que setores serão ou não protegidos.
É por isso que o embaixador Clodoaldo Hugueney, que acaba de assumir um cargo que equivale ao de negociador-chefe para o comércio brasileiro, diz: "Quer queira quer não, o Mercosul vai ter que estabelecer uma definição da TEC, até porque serve não só para negociar com a Europa, mas também para as negociações da Alca e da OMC".
Refere-se, além da Área de Livre Comércio das Américas, prevista para englobar os 34 países americanos, exceto apenas Cuba, à nova rodada de liberalização comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
Hugueney espera que a definição da TEC seja feita durante a presidência brasileira do Mercosul, que começa dia 1º de julho. A Argentina é a atual presidente de turno, mas sua crise impediu que tomasse qualquer iniciativa em qualquer área, o que acabou ajudando a reduzir consideravelmente as expectativas para a Cúpula de Madri com os europeus.
Mas a TEC não é um assunto fácil. "Com as incertezas na Argentina, não dá para dizer que é preciso completar a TEC para negociar com a UE", diz Sandra Rios, assessora para assuntos internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Momento sensível
A TEC não é, em todo o caso, o único motivo pelo qual a Cúpula de Madri será anódina. "O contexto não é o melhor [para a Cúpula"", diz José Déniz Espinós, titular de Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madri e especialista em América Latina.
Por que não? "Pelo lado do Mercosul, sobressai a situação crítica e cheia de incertezas da Argentina, e, pelo lado europeu, está o processo eleitoral da França, que sai de eleições presidenciais carregadas de tensão e segue em campanha para as eleições legislativas de junho, que terminarão de definir o mapa político", responde Déniz Espinós.
Poderia acrescentar que, no Mercosul, o Uruguai também está afundado em crise (são três anos consecutivos de recessão) e o Brasil vive um processo eleitoral que dirá quem conduzirá as negociações com a Europa, com os EUA e com o resto do planeta, a partir do ano que vem, mais decisivo que 2002.
Nesse contexto pouco favorável, o documento final da Cúpula de Madri, em fase final de elaboração, põe ênfase mais no aspecto político da cooperação entre os blocos do que na área comercial, mais intrincada.
O texto dirá que as partes decidiram "fortalecer e aprofundar seu diálogo político", o que incluirá encontros anuais de "altos funcionários".
O diálogo político transita por generalidades com as quais quase todo mundo está de acordo (direitos humanos, democracia, desenvolvimento sustentável, paz, luta contra o terrorismo, combate ao tráfico de drogas e por aí vai). Já comércio mexe com interesses palpáveis de empresários dos dois lados e tem enorme sensibilidade política.
Por isso mesmo, qualquer avanço na negociação comercial ficará para o segundo semestre, durante o qual haverá uma reunião ministerial, "para avaliar o progresso feito nas negociações e para oferecer orientação para o próximo estágio do processo negociador", como diz o comunicado final.
Até lá, a Europa espera que o Mercosul tenha definido melhor a sua cara e as suas intenções.



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