|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CÚPULA DE MADRI
Instabilidade política e econômica na região dificulta negociações de livre comércio com bloco europeu
União Européia cobra definição do Mercosul
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
As negociações entre o Mercosul e a União Européia, que serão
objeto de uma segunda reunião
de cúpula, na sexta-feira em Madri, estão impondo ao bloco do
Sul a necessidade de definir o que
pretende de fato ser e que políticas vai aplicar.
A resposta do Mercosul tornou-se ainda mais relevante agora que,
pela primeira vez, uma autoridade brasileira, como o ministro
Sérgio Amaral, admite que a outra grande negociação regional (a
Alca, Área de Livre Comércio das
Américas) pode não sair do papel
ou tomar um forma inaceitável
para o país.
No caso da negociação com a
Europa, trata-se, para usar o jargão diplomático, de saber se o
Mercosul será apenas uma zona
de livre comércio ou uma união
aduaneira. A diferença não é pequena.
Zona de livre comércio pressupõe que seus integrantes reduzam
a zero as tarifas de importação para os demais parceiros do bloco.
Já a união aduaneira incorpora
essa medida, mas dá um passo
adiante: exige que os membros da
união tenham as mesmas tarifas
de importação para países não-membros do bloco (é a chamada
TEC, Tarifa Externa Comum).
"Os europeus não vêem direito
o que é e o que quer o Mercosul",
depõe, por exemplo, o empresário Luiz Fernando Furlan, do grupo Sadia, que será eleito em Madri, no Fórum Empresarial Mercosul-União Européia, presidente
do fórum pelo lado Mercosul.
A queixa européia procede: o
Mercosul é hoje uma união aduaneira incompleta. Tem uma TEC,
que cobre perto de 88% do universo tarifário, mas que exclui
exatamente os setores mais relevantes (automóveis, bens de capital, informática e telecomunicações), além de açúcar e das listas
de exceção de cada país.
Ampliar a TEC para todo o universo de importações do Mercosul significaria que o bloco teria
uma política comercial externa
comum, o que daria escala e previsibilidade aos negócios dos parceiros do Mercosul. Mas também
definiria que política industrial
seria praticada em todos os países
do bloco, ou seja, que setores serão ou não protegidos.
É por isso que o embaixador
Clodoaldo Hugueney, que acaba
de assumir um cargo que equivale
ao de negociador-chefe para o comércio brasileiro, diz: "Quer
queira quer não, o Mercosul vai
ter que estabelecer uma definição
da TEC, até porque serve não só
para negociar com a Europa, mas
também para as negociações da
Alca e da OMC".
Refere-se, além da Área de Livre
Comércio das Américas, prevista
para englobar os 34 países americanos, exceto apenas Cuba, à nova rodada de liberalização comercial no âmbito da Organização
Mundial do Comércio.
Hugueney espera que a definição da TEC seja feita durante a
presidência brasileira do Mercosul, que começa dia 1º de julho. A
Argentina é a atual presidente de
turno, mas sua crise impediu que
tomasse qualquer iniciativa em
qualquer área, o que acabou ajudando a reduzir consideravelmente as expectativas para a Cúpula de Madri com os europeus.
Mas a TEC não é um assunto fácil. "Com as incertezas na Argentina, não dá para dizer que é preciso completar a TEC para negociar
com a UE", diz Sandra Rios, assessora para assuntos internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Momento sensível
A TEC não é, em todo o caso, o
único motivo pelo qual a Cúpula
de Madri será anódina. "O contexto não é o melhor [para a Cúpula"", diz José Déniz Espinós, titular de Economia Aplicada da
Universidade Complutense de
Madri e especialista em América
Latina.
Por que não? "Pelo lado do Mercosul, sobressai a situação crítica e
cheia de incertezas da Argentina,
e, pelo lado europeu, está o processo eleitoral da França, que sai
de eleições presidenciais carregadas de tensão e segue em campanha para as eleições legislativas de
junho, que terminarão de definir
o mapa político", responde Déniz
Espinós.
Poderia acrescentar que, no
Mercosul, o Uruguai também está
afundado em crise (são três anos
consecutivos de recessão) e o Brasil vive um processo eleitoral que
dirá quem conduzirá as negociações com a Europa, com os EUA e
com o resto do planeta, a partir do
ano que vem, mais decisivo que
2002.
Nesse contexto pouco favorável,
o documento final da Cúpula de
Madri, em fase final de elaboração, põe ênfase mais no aspecto
político da cooperação entre os
blocos do que na área comercial,
mais intrincada.
O texto dirá que as partes decidiram "fortalecer e aprofundar
seu diálogo político", o que incluirá encontros anuais de "altos funcionários".
O diálogo político transita por
generalidades com as quais quase
todo mundo está de acordo (direitos humanos, democracia, desenvolvimento sustentável, paz,
luta contra o terrorismo, combate
ao tráfico de drogas e por aí vai).
Já comércio mexe com interesses
palpáveis de empresários dos dois
lados e tem enorme sensibilidade
política.
Por isso mesmo, qualquer avanço na negociação comercial ficará
para o segundo semestre, durante
o qual haverá uma reunião ministerial, "para avaliar o progresso
feito nas negociações e para oferecer orientação para o próximo estágio do processo negociador", como diz o comunicado final.
Até lá, a Europa espera que o Mercosul tenha definido melhor a
sua cara e as suas intenções.
Texto Anterior: Opinião Econômica - Ricardo Berzoini: A farsa tributária: desinterditando o debate Próximo Texto: Acordo com europeus avança pouco, mas mais do que a Alca Índice
|