São Paulo, sábado, 13 de junho de 1998

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CONJUNTURA
Ministro admite dificuldades, mas afirma que política econômica tem rumo e não pode mudar todo dia
Para Malan, crise deve ser vista com frieza

VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

VIVALDO DE SOUSA
da Sucursal de Brasília

Ao analisar ontem o agravamento da crise asiática, o ministro Pedro Malan (Fazenda) disse que o momento é "cheio de incertezas". Segundo ele, essa situação deve ser analisada com frieza e serenidade.
"Não podemos mudar a política (econômica) todo dia", afirmou.
Malan disse que a crise pode ser explicada pelos seguintes fatores: 1) possibilidade de forte queda na Bolsa de Nova York; 2) dificuldades do Japão; 3) desvalorização do iene (moeda japonesa) em relação ao dólar; e 4) efeitos da crise em toda a Ásia, incluindo a China.
Apesar disso, o ministro vê pelo menos dois pontos positivos: os juros não deverão subir nos EUA e os países latino-americanos podem ser beneficiados com maior volume de recursos estrangeiros.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - Como o senhor vê a crise na Ásia, agravada pelo anúncio de recessão no Japão?
Pedro Malan -
São três conjuntos de problemas. O primeiro diz respeito à situação de dificuldade pela qual passaram, estão passando e continuarão passando por algum tempo as três economias que necessitaram de pacote de assistência financeira: Indonésia, Coréia e Tailândia. As três terão taxa de crescimento do PIB fortemente negativa neste ano -algo já esperado. O segundo se refere ao Japão. Não sabemos como vai reagir a segunda economia do mundo.
O Japão está estagnado desde o início desta década. Agora, temos essa queda, nos dois últimos trimestres. Eles têm problemas sérios ainda não resolvidos no seu sistema financeiro. Há uma estimativa oficial de débitos que não estão sendo pagos de pelo menos US$ 700 bilhões. Eles não conseguiram ainda uma forma de reativar a economia, mesmo estando com uma taxa de juros anuais de 0,5%. O terceiro problema são as incertezas sobre a depreciação do iene em relação ao dólar.
Isso está começando a gerar inquietações nas outras economias asiáticas que competem com o Japão. Há uma grande inquietação na China e em Hong Kong. Até agora, a China tem o compromisso público e reiterado de não desvalorizar o yuan. Se o fizer, aquilo é um problema, levará a uma nova rodada de desvalorizações com todos os efeitos sobre os fluxos de comércio na região.
Folha - Temos outras incertezas?
Malan -
Tem a situação da Rússia. Uma economia de certo peso que está passando por dificuldades institucionais e fiscais. E, por último, embora não menos importante, continua pairando no ar aquela famosa advertência feita pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, sobre a exuberância irracional dos preços dos ativos na Bolsa de Nova York. Mas isso faz parte do mundo em que vivemos. Esses sustos estarão conosco por um tempo. Eu gostaria de dizer que a chave aqui está no Japão.
Folha - O sr. não teme um reflexo da crise japonesa na economia norte-americana?
Malan -
O Japão afeta na medida em que é um mercado importante para as exportações norte-americanas. Mas tem um outro efeito também. Nesse contexto, muitos analistas acham que o Federal Reserve não vai elevar os juros.
Folha - O agravamento da crise pode prejudicar a captação de recursos externos por parte do país?
Malan -
Eu acho que não vai afetar a captação de recursos diretos, que chegaram a US$ 17 bilhões no ano passado e deve ser um valor equivalente neste ano. Dos US$ 17 bilhões do ano passado, US$ 5 bilhões e pouco foram de privatizações. O restante foi de decisões de investimento de médio e longo prazos. Essa situação asiática pode até ter um efeito positivo para a América Latina. É uma região que tem vantagens: não tem testes nucleares, não tem conflitos de fronteiras, não tem conflitos étnicos. É uma região com democracias consolidadas ou em processo de consolidação. É possível que a região da América Latina seja vista como uma região de interesse do ponto de vista de quem está tomando decisões de investimento no médio e longo prazos. Outra coisa são os demais fluxos de capital. E eu acho que há espaço para crescimento aqui no Brasil. Investimento em Bolsas e de seguros.
Folha - O sr. não teme uma desvalorização da moeda chinesa ou uma alta dos juros nos EUA?
Malan -
Eu acho que as preocupações que eu teria estão nesses cenários, que poderiam se materializar de forma negativa. Mas nós já vivemos situações como essas no passado. Não existe algo inusitado que o mundo não tenha experimentado antes. Isso faz parte do mundo em que nós vivemos. E que é mais perigoso em certo sentido por conta da quase instantaneidade em que as pessoas têm as informações e as transações financeiras podem ser feitas.
Folha - O sr. está tranquilo?
Malan -
Eu não quis dizer que a crise não preocupa. Eu acho que é preciso vê-la com relativa serenidade. Seria irresponsável da minha parte falar que está tudo tranquilo. Mesmo porque eu tracei aqui um quadro cheio de incertezas. As coisas podem caminhar em várias direções. Eu só digo que é preciso encarar o momento com frieza, com serenidade. Não nos pautamos pela notícia do dia-a-dia. Não achamos que tenhamos de mudar a política todo dia. Achamos que a política econômica tem um rumo.



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