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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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EFEITO COLATERAL

Desvalorização do dólar reduz peso do passivo no balanço das empresas, mas falta caixa para amortização

Real forte faz evaporar R$ 83,8 bi em dívidas

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A valorização do real fez evaporar R$ 83,8 bilhões das dívidas em moeda estrangeira de empresas de capital aberto nos primeiros seis meses de governo Lula. De janeiro a junho, o total dos débitos caiu de R$ 464,7 bilhões para R$ 335,1 bilhões -uma redução de R$ 129,6 bilhões.
Pequena parte dessa queda ocorreu porque algumas companhias aproveitaram o período para amortizar seus débitos. Mas a causa principal da redução foi contábil: o recente recuo do câmbio diminuiu, no papel, o valor em real das dívidas em moeda estrangeira do setor privado.
A simples valorização do real foi responsável por 64,7% da queda total da dívida, ou R$ 83,8 bilhões dos R$ 129,6 bilhões "economizados" pelas companhias. Os dados são de um levantamento da Folha com base em dados da Economática. Só entram nessa amostra empresas com capital aberto (com ações em Bolsa).
Além desses débitos, há outros, contratados em moeda brasileira, que não foram contabilizados nessa equação. Cerca de 70% dos débitos do setor privado são em dólar ou acompanham a cotação da moeda norte-americana.

Sem receitas
Para empresas com receitas em real, poderia ter sido um momento propício para amortizar dívidas em dólar. Mas a freada da economia impediu maiores avanços na redução do passivo.
"Todas as evidências mostram que houve uma liquidação mínima de dívidas com o próprio caixa das empresas. Não houve vendas fabulosas nos últimos meses", afirma Fernando Exel, presidente da Economática.
Os balanços semestrais das empresas, que trazem informações sobre receita e dívida, serão publicados a partir de agosto. Mas números já divulgados sobre o primeiro trimestre confirmam essa tendência. De janeiro a março, o lucro operacional (obtido com a venda de mercadorias e serviços) encolheu 71,3%. Débitos também caíram, mas bem menos (5,7%).
No final de dezembro, a forte alta do dólar havia feito o endividamento das companhias disparar do dia para a noite. Seis meses após essa escalada, por causa da desvalorização da moeda americana acumulada em 20,5% de janeiro a junho, os débitos caíram de forma vertiginosa.
Resultado: o que era dívida no começo do ano evaporou dos balanços agora. As empresas passaram a dever menos sem fazer nenhum esforço, em grande parte graças ao recuo do câmbio.
O impacto da variação do real na dívida das empresas revela a diversidade de interesses e de pressões do setor privado com relação à política cambial. Nas últimas semanas, empresários ligados ao setor exportador reforçaram o coro de que as companhias estão sendo duramente atingidas pelo tombo do dólar.
O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), por exemplo, estimou que o Brasil vá perder cerca de US$ 4 bilhões neste ano em exportações devido ao impacto do real valorizado.
Empresários afirmam que o simples efeito contábil do "real forte" sobre o passivo das empresas é artificial e insuficiente. Segundo eles, apenas a disparada nas vendas ao exterior, impulsionadas por um câmbio favorável, poderia aumentar o faturamento e, portanto, a capacidade de pagamento de algumas empresas.
Esse processo estava ocorrendo até os primeiros meses do ano. Mas os benefícios de uma demanda externa crescente e preços internacionais fortes, aliados a uma taxa de câmbio favorável, não se estenderam ao segundo trimestre, na avaliação de Osvaldo Schirmer, vice-presidente-executivo do grupo Gerdau.
Mas não se trata de uma equação tão simples. Também há ganhos potenciais e sutis com o tombo do dólar, principalmente por conta da redução (mesmo que contábil) no volume das dívidas do setor privado.
Somente o total de dívidas vencidas e não pagas por grandes empresas do país já chega a US$ 7,3 bilhões. Esses valores estão sendo reestruturados, e o valor do real funciona como fator de barganha nas negociações.
"As empresas vão perceber mais claramente esse efeito contábil quando fizerem as contas do balanço do semestre. Mas isso pode mudar caso o dólar volte a disparar nos próximos meses", afirma o economista Antônio Corrêa de Lacerda.

Dívida "saudável"
Analistas ressaltam que é preciso olhar com cautela redobrada o volume de dívidas do setor privado. Principalmente dívidas contraídas para investimentos. Segundo eles, as empresas se endividam por duas razões: ou pegam recursos para investir em novos projetos ou captam dinheiro apenas para pagar dívidas antigas.
"Há dívidas de qualidade, que precisam ser feitas", diz Erivelto Rodrigues, da Austin Asis.
"O que existe é medo. Medo de se endividar num período de retração e pagar caro por isso lá na frente, se a economia não reagir", diz Alberto Borges Matias, presidente da ABM Consulting.
Em momentos como esses, várias das captações acabam tendo como destino frequente a rolagem de dívidas em vencimento.


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