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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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MORATÓRIA

Dívidas são bolsões de inadimplência, e não crise, dizem analistas

Empresas inadimplentes devem US$ 7,3 bi no país

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Já chega a US$ 7,3 bilhões o total de dívidas vencidas e não pagas por empresas brasileiras e que se encontram em processo de negociação com os credores. O levantamento foi feito pela Folha com bancos, analistas de mercado, advogados de credores, agências de "rating" e balanços publicados pelas empresas.
O valor do calote é quase o mesmo do das dívidas que as ex-estatais transferiram aos novos controladores no processo de privatização. Segundo dados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), débitos de US$ 7,5 bilhões foram repassados pelas estatais ao serem vendidas. Agora veio o troco: parte importante do calote atual é de empresas privatizadas ou de seus controladores (leia quadro).
Desde o final do ano passado 14 companhias entraram em "default" (moratória) no país, das quais cinco são ex-estatais ou seus acionistas. Em todos os casos o prejuízo ficou nas mãos de bancos nacionais e estrangeiros e de investidores de bônus e debêntures -em geral fundos de investimentos e fundos de pensão.
A maior fatia das dívidas não pagas sobrou para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que capitaneou as privatizações no governo passado. A Folha apurou que a AES, controladora da Eletropaulo, a SEB (Southern Electric Participações Ltda), sócia da Cemig, e a Chapecó deixaram de pagar nos últimos meses US$ 886 milhões ao banco estatal.
Juntas, elas respondem por quase metade da inadimplência registrada no balanço do banco no primeiro trimestre deste ano. Do total de R$ 116,7 bilhões que o BNDES tinha em créditos a receber em 31 de março, R$ 5,2 bilhões estavam inadimplentes (cerca de US$ 1,8 bilhão em valores atuais).
A dívida total dessas empresas com o BNDES, porém, é bem maior que os débitos vencidos, o que levou o banco a fazer pesados provisionamentos no seu último balanço para se proteger de possíveis perdas futuras. Só a dívida da AES totaliza US$ 1,2 bilhão, a da SEB, US$ 500 milhões, e a da Chapecó, US$ 137 milhões.
Elas vêm negociando com o banco, mas sem sucesso. A AES ainda não fez nenhuma proposta de pagamento em dinheiro de parte dos atrasados, condição imposta pelo banco.
A SEB, um consórcio formado pela AES, banco Opportunity e a Southern Eletric para comprar parte da Cemig, deixou de pagar, em maio, uma parcela de US$ 87 milhões do financiamento feito com o banco estatal. A SEB quer negociar a dívida junto com uma solução para a ação judicial movida contra ela pelo governo de Minas Gerais, há quatro anos. Essa ação cancelou o acordo de acionistas e afastou o consórcio da direção da empresa.
"A negociação da dívida deve levar em conta essa ação, pois o rompimento do acordo de acionistas afeta o valor pago pelo ativo", diz Marcelo Oliveira, representante do consórcio.
Já a Chapecó tem até o final de agosto para sair da situação difícil em que se encontra, segundo fontes do BNDES. Ela tem dívidas vencidas com o banco no valor de US$ 137 milhões referentes a um financiamento concedido ao grupo argentino Macri para comprar a empresa em 1997 e outro em 1999. A dívida não foi paga pelo grupo Macri.
A solução da dívida passa pela venda de suas quatro unidades produtivas às Coinbra, controlada pelo grupo francês Louis Dreyfus. No final do mês passado, os controladores aceitaram a proposta da Coinbra, mas analistas do setor de alimentos dizem que o negócio começou a fazer água nos últimos dias.

Bolsão
Apesar do tamanho da pendura nacional, analistas dizem que trata-se de "bolsões" de inadimplência, e não de uma crise geral. "A recuperação de créditos vem se desenvolvendo no país há alguns anos e hoje estamos com um mercado mais maduro. Alguns setores já se ajustaram e a crise de financiamento externo passou", observa Roberto Portella, sócio da Demarest & Almeida Advogados.
Nos últimos três anos, esse escritório de advocacia participou de dez processos de reestruturação de dívidas de empresas. "Eram casos que totalizavam débitos de US$ 1 a US$ 2 bilhões", afirma Portella. Hoje, o Demarest & Almeida trabalha em apenas quatro casos cujos débitos somam US$ 300 milhões.
Segundo ele, a maioria dos credores são bancos, fundos de pensão e o BNDES. "No passado tínhamos o Bird [Banco Mundial] e agências internacionais de fomento entre os credores", diz.
A agência de "rating" Standard & Poors também diz não enxergar uma crise de inadimplência no país. "No universo de empresas que analisamos há uma estabilização da inadimplência", explica Jean-Pierre Cote Gil, analista da agência.
A S&P analisa o risco de crédito de grandes empresas do Brasil e da América Latina. Segundo seu último boletim, há apenas cinco empresas brasileiras com "rating" D ("default") e uma com SD ("selective default"), concedido quando uma empresa deixa de pagar um vencimento específico. Já entre as argentinas, por exemplo, há 20 com "rating" D e sete com SD.
As empresas locais com "rating" D (em "default") são a BCP, a Eletropaulo, a Globopar, a Net Serviços e a TV Globo. Em "default" parcial há apenas a Cemar. No início deste mês a Light também deixou de pagar US$ 25 milhões a bancos privados, mas ela não é analisada pela S&P.
Segundo Cote Gil a maioria das empresas brasileiras com classificação D entraram nessa categoria no ano passado, durante a crise de crédito externo. "Neste momento, não temos nenhuma empresa com iminência de "default'", diz.
Mas, segundo o analista há pelo menos duas companhias com "rating" apertado: a Sky e a RBS (Rede Brasil Sul). A Sky está com classificação CCC+/Negativa, uma das mais baixas, e a RBS com B+ em revisão e viés negativo. "A RBS está pressionada por uma dívida de US$ 158 milhões, da qual US$ 47 milhões vencem nos próximos 12 meses", diz Cote Gil.
Já a Sky tem um vencimento de "bonds" em 2004, no valor de US$ 208 milhões. Para o analista, a geração de caixa da empresa é insuficiente para honrar essa dívida e ela precisaria de aporte de capital. "Mas a News Corp, segunda maior acionista depois da Globo, ainda não se manifestou sobre esse vencimento", diz.


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