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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Oportunidade preciosa

LUCIANO COUTINHO

A política econômica do governo Lula derrotou, inequivocamente, a ameaça de retorno da inflação. Todos os índices de preços relativos a junho (IPC-Fipe, ICV-Dieese, IGP-M-FGV e, finalmente, o IPCA-IBGE) divulgados na semana passada mostraram taxas negativas. A deflação alcançou um amplo leque de produtos no atacado e uma parcela expressiva de bens e serviços no varejo, refletindo o significativo desaquecimento da economia. Segundo as estimativas da LCA Consultores, os preços industriais menos sujeitos a oscilações sazonais ou à interferência do poder público -e que constituem o "núcleo industrial" dos índices de preços- estão, no varejo, com taxas de variação muito próximas de zero e, no atacado, há várias semanas em deflação.
As expectativas dos investidores também se inverteram notavelmente. As projeções médias para o IPCA e para o IGP-M recuaram significativamente nas últimas cinco semanas. Cinco pontos percentuais foram cortados nessas projeções no caso do IGP-M, e um ponto e meio, no caso do IPCA. O anúncio de deflação do IPCA na semana passada deve acarretar queda adicional das projeções esperadas. Essa inflexão desaceleracionista das expectativas de inflação abre, sem sombra de dúvida, um espaço substancial para redução, sem riscos, da taxa básica de juros na próxima reunião do Copom, no dia 23 de julho.
É perfeitamente possível, sendo conservador, implementar um corte de dois pontos percentuais, baixando a taxa Selic de 26% ao ano para 24%. Ainda assim a taxa real esperada de juros permanecerá em um nível muito elevado, superior a 15% ao ano. Pondere-se, entretanto, que por efeitos sazonais os índices de inflação deverão receber, nas próximas oito semanas, os impactos dos reajustes das tarifas de energia, saneamento e telefonia e deverão, ainda, refletir a entressafra dos produtos agropecuários. Isso significa que, embora o núcleo dos índices de inflação possa permanecer baixo e estável, os índices "cheios" voltarão a subir para perto de 1% ao mês e só poderão refluir após setembro, provavelmente para níveis mensais próximos a 0,5%.
Conclui-se, portanto, que, apesar da alta sazonal da inflação nas próximas semanas, existe, agora, uma oportunidade preciosa para o Copom demonstrar aos mercados mestria e liderança na indução das expectativas. Considerando o fraquíssimo desempenho das atividades econômicas -especialmente da indústria, da construção civil e dos serviços- e considerando, ainda, a perspectiva de liquidez superabundante nos mercados financeiros internacionais, é recomendável operar um corte ainda mais incisivo da taxa Selic.
Uma redução de três pontos seria bem recebida pelos mercados porquanto traria consigo o bônus dos seguintes efeitos positivos:
1) induziria uma mudança do clima de pessimismo no setor empresarial, que, hoje, posterga gastos e investimentos e ajusta para baixo o nível de emprego;
2) provocaria uma desvalorização discreta e saudável da taxa de câmbio, o que reforçaria a rentabilidade das exportações, que vem sendo inconvenientemente corroída nos últimos três meses e, simultaneamente, esfriaria a tendência à retomada das importações de insumos (o que inibe sua substituição por produção local), auxiliando, ainda, a conter os ascendentes gastos com viagens e turismo no exterior;
3) propiciaria ganhos expressivos para o Tesouro Nacional ao diminuir os encargos de juros sobre a dívida mobiliária federal indexada à Selic. Outra iniciativa de alívio ao Tesouro seria um resgate mais rápido da dívida pública atrelada à taxa de câmbio.
A difícil gestão da política monetária deve combinar a melhor fundamentação técnica com a arte de coordenar as expectativas privadas, de tal forma a cimentar confiança no futuro, estimulando o investimento e a valorização dos ativos -enquanto mantém sob controle uma trajetória cadente e crível para a inflação. Tendo logrado o feito de disciplinar as expectativas inflacionárias -ainda que à custa de duro sacrifício econômico e social-, cumpre, doravante, à política macroeconômica o desafio de conferir solidez e sustentação ao crescimento.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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