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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

A feijoada financeira

O dólar subiu porque a Lei de Falências não foi aprovada ou porque se demorou para aprovar a reforma da Previdência? Não havia teto para os salários do setor público. Criaram-se teto e subteto, mas isso foi uma derrota do governo, uma concessão, por isso o dólar subiu. Se não foi isso, foi por conta do boné do MST.
Nos anos 80 ficou famoso o episódio de Alencar Mesquita, um falsário que se tornou fonte preferencial do jornalismo econômico da época e conseguiu lugar de professor em uma das mais famosas faculdades do país, unicamente brandindo um conjunto de frases-padrão, slogans sobre economia. Havia um jogo, aliás, em que se montavam três fileiras de palavras técnicas que se podiam misturar de várias maneiras, todas resultando em declarações-padrão da época.
Ouvir a explicação do analista de mercado sobre as razões imponderáveis dos movimentos diários do dólar tornou-se uma mesmice insuportável, uma repetição de slogans que afrontam a lógica, mas são aceitos pela força da repetição, transformando qualquer economista de planilha em "pensador".
Vamos a um exemplo desse samba do crioulo doido em que se converteu essa análise fast food, a partir de artigo recente, tomado ao acaso, de um analista bastante ouvido pela mídia:
1) "Houve uma nova onda de fluxo de capitais de curto prazo para o Brasil. Isso de forma nenhuma é ruim. O "capital bom", de longo prazo, é sempre precedido pelo "capital especulativo'".
O país está há dez anos com capital de curto prazo entrando, e o de longo prazo, não, a não ser para arbitragem -isto é, para aquisição de empresas consideradas baratas. Não há nenhuma relação de causa e efeito, mas o slogan é repetido.
Confira-se agora a afirmação seguinte:
2) "O que acontecerá agora, quando a inflação finalmente começa a ceder, e o BC, a reduzir os juros? A (...) arbitragem da taxa de juros não será tão vantajosa. É fácil prever, nessas condições, uma redução na liquidez internacional do Brasil. E um novo ciclo de perda de confiança poderá ocorrer, como tantas vezes vimos".
O que se afirma é que um cenário favorável ao crescimento e ao capital de investimento (juros e inflação em queda) é desfavorável ao capital de curto prazo. E, se for desfavorável ao capital de curto prazo, haverá "um novo ciclo de perda de confiança" que espantará o capital de investimento. Entendeu? Nem eu.
3) "Para (a economia) crescer, precisamos de capital de longo prazo, ou seja, poupança de longo prazo, externa e interna. Interna não há, pois o governo "despoupa" devido ao seu enorme déficit fiscal, se incluirmos os juros a serem pagos."
Em cima mostrou que a maneira de evitar a perda de confiança é manter os juros elevados a fim de preservar os capitais de curto prazo. Agora sustenta que o país não pode crescer porque não tem poupança interna por conta do déficit fiscal decorrente das taxas de juros elevadas.
Todas essas afirmações constam em um mesmo artigo. Juntando todas as partes, não forma um todo. Mas essa é a feijoada servida diariamente ao distinto público.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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