|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A feijoada financeira
O dólar subiu porque a
Lei de Falências não foi
aprovada ou porque se demorou para aprovar a reforma da
Previdência? Não havia teto
para os salários do setor público. Criaram-se teto e subteto,
mas isso foi uma derrota do governo, uma concessão, por isso
o dólar subiu. Se não foi isso,
foi por conta do boné do MST.
Nos anos 80 ficou famoso o
episódio de Alencar Mesquita,
um falsário que se tornou fonte
preferencial do jornalismo econômico da época e conseguiu
lugar de professor em uma das
mais famosas faculdades do
país, unicamente brandindo
um conjunto de frases-padrão,
slogans sobre economia. Havia
um jogo, aliás, em que se montavam três fileiras de palavras
técnicas que se podiam misturar de várias maneiras, todas
resultando em declarações-padrão da época.
Ouvir a explicação do analista de mercado sobre as razões
imponderáveis dos movimentos diários do dólar tornou-se
uma mesmice insuportável,
uma repetição de slogans que
afrontam a lógica, mas são
aceitos pela força da repetição,
transformando qualquer economista de planilha em "pensador".
Vamos a um exemplo desse
samba do crioulo doido em que
se converteu essa análise fast
food, a partir de artigo recente,
tomado ao acaso, de um analista bastante ouvido pela mídia:
1) "Houve uma nova onda de
fluxo de capitais de curto prazo
para o Brasil. Isso de forma nenhuma é ruim. O "capital bom",
de longo prazo, é sempre precedido pelo "capital especulativo'".
O país está há dez anos com
capital de curto prazo entrando, e o de longo prazo, não, a
não ser para arbitragem -isto
é, para aquisição de empresas
consideradas baratas. Não há
nenhuma relação de causa e
efeito, mas o slogan é repetido.
Confira-se agora a afirmação
seguinte:
2) "O que acontecerá agora,
quando a inflação finalmente
começa a ceder, e o BC, a reduzir os juros? A (...) arbitragem
da taxa de juros não será tão
vantajosa. É fácil prever, nessas
condições, uma redução na liquidez internacional do Brasil.
E um novo ciclo de perda de
confiança poderá ocorrer, como tantas vezes vimos".
O que se afirma é que um cenário favorável ao crescimento
e ao capital de investimento
(juros e inflação em queda) é
desfavorável ao capital de curto prazo. E, se for desfavorável
ao capital de curto prazo, haverá "um novo ciclo de perda
de confiança" que espantará o
capital de investimento. Entendeu? Nem eu.
3) "Para (a economia) crescer, precisamos de capital de
longo prazo, ou seja, poupança
de longo prazo, externa e interna. Interna não há, pois o governo "despoupa" devido ao seu
enorme déficit fiscal, se incluirmos os juros a serem pagos."
Em cima mostrou que a maneira de evitar a perda de confiança é manter os juros elevados a fim de preservar os capitais de curto prazo. Agora sustenta que o país não pode crescer porque não tem poupança
interna por conta do déficit fiscal decorrente das taxas de juros elevadas.
Todas essas afirmações constam em um mesmo artigo. Juntando todas as partes, não forma um todo. Mas essa é a feijoada servida diariamente ao
distinto público.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Justiça: Telefônica não terá de detalhar chamada local Próximo Texto: Fase dois: Arrecadação do tributo da gasolina pode financiar obra Índice
|