São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A política econômica do próximo governo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O brasil assiste hoje a um debate intenso sobre os rumos da economia, a partir do próximo ano. Os candidatos à Presidência da República procuram expor os pontos principais de suas propostas, com o objetivo de convencer os eleitores cidadãos a escolhê-los como a melhor alternativa para o país. Não podemos cobrar das propostas apresentadas no horário eleitoral gratuito a consistência técnica que um programa econômico deve ter, para ser devidamente avaliado. Isso não faz parte dos objetivos de um debate eleitoral como estamos vivendo. O que deve ser apresentado com clareza são as prioridades de cada proposta e os principais caminhos a serem trilhados para atingi-las.
Como não podia deixar de acontecer, o grande marco de referência nos debates tem sido a política econômica do presidente FHC. Tivemos nos últimos oito anos uma gestão da economia que apresentou, pela primeira vez em nossa história recente, uma consistência teórica e uma disciplina na sua implantação dignas de aplausos. Não ocorreu, como foi comum em outros governos, uma definição improvisada dos principais objetivos e uma administração errática dos instrumentos de gestão econômica.
Temos, hoje, um projeto estratégico muito claro para o país, a partir de uma leitura particular do mundo nestes nossos tempos. Estabilidade monetária, equilíbrio fiscal, economia aberta ao comércio internacional e aos fluxos de investimentos externos e total liberdade dos mercados são os principais pressupostos que criam as condições necessárias para que a economia cresça de forma sustentada. Esse rumo, como sempre disse o presidente, foi buscado de forma persistente, mesmo em tempos difíceis.
Mesmo com essa disciplina o crescimento médio dos últimos anos foi medíocre, e o cidadão vive hoje um período de dificuldades crescentes. Os benefícios de uma estabilidade monetária que a sociedade não vivia havia quase 30 anos perdeu seu brilho, principalmente nos últimos anos, em razão do aumento do desemprego e da queda do poder aquisitivo dos salários. A melhora nas condições de vida do cidadão, medida de forma inconteste pelo Pnad, divulgado ontem pelo IBGE, também perdeu seu brilho em razão de uma queda de mais de 10% na renda real média dos brasileiros a partir de 1996. O brasileiro está olhando nestas eleições para a frente, e não para trás, em um comportamento que pode ser injusto para FHC, mas que deve ser entendido como normal.
Vivendo intensamente essa contradição, os eleitores estão avaliando com muito interesse as propostas dos candidatos. As últimas pesquisas mostram que aqueles que basearam suas campanhas em propostas, e não em ataques pessoais ou sugestões vãs e desarticuladas, vão disputar, em um segundo turno, a preferência do eleitorado. Um sinal claro de uma maturidade política revigorante!
Gostaria, na minha coluna de hoje, de refletir sobre alguns pontos importantes para a avaliação das causas desse aparente fracasso da política econômica dos últimos anos. Tenho sempre insistido, e meus leitores da Folha são testemunhas disso, que o erro principal do chamado malanismo foi uma leitura errada e pueril do funcionamento do capitalismo, no mundo de hoje. Entendeu haver um sistema de comércio internacional totalmente livre e presidido por princípios de racionalidade econômica, quando a prática mostra que o protecionismo e a presença do Estado no campo da economia são ainda muito grandes. Acreditou em um mercado de capitais racional e estável, quando a realidade é muito diferente e o vaivém de fluxos financeiros para países em desenvolvimento, em razão de ondas de pessimismo e otimismo dos mercados, é quase uma constante.
Por outro lado, centrou suas preocupações nas questões macroeconômicas principais e se esqueceu quase totalmente da importância que a dinâmica microeconômica tem no equilíbrio do comércio internacional e na capacidade das empresas brasileiras de produzir com eficiência. Não deu também a relevância devida à dinâmica perversa que a política de juros elevados teve sobre o estoque da dívida pública. Finalmente, permitiu que a dinâmica financeira tomasse conta da formação da taxa de câmbio, com efeitos perversos sobre a atividade econômica e o comércio exterior.
Esses erros podem ser facilmente corrigidos por um presidente que consiga equilibrar sua ação entre a preservação dos fundamentos com uma política que transforme nossa realidade micro. Princípios econômicos sadios e respeito ao lado produtivo são a receita requerida para que reencontremos o caminho do crescimento econômico. Para tanto, será preciso seguir os princípios maiores da teoria econômica contemporânea com uma capacidade de entender e operar nossa economia dentro do mundo imperfeito que existe à nossa volta.
Será um erro imperdoável confundir esses erros de gestão com fracasso estrutural de um modelo econômico que tem tudo para dar certo. Estabilidade monetária, equilíbrio fiscal estrutural, economia aberta e redução da participação direta do governo no campo econômico devem ser compromissos centrais do próximo governo. Menos fundamentalismo ideológico, mais sagacidade para jogar o jogo real do mundo integrado de hoje e capacidade administrativa para operar a máquina do Estado na busca do plano de vôo estabelecido são qualidades necessárias para nossos próximos governantes.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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