São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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TRANSE GLOBAL

Alta da dívida em relação ao PIB cresce na maioria desses países e no Brasil e os sujeita a "ataques especulativos"

Crise da dívida pública atinge emergentes

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os temores de investidores estrangeiros em relação a riscos de calote na dívida pública não se restringem ao Brasil. Sinais de alerta emitidos por importantes instituições internacionais têm colocado vários países emergentes na pauta de preocupações do mercado.
Relatório divulgado recentemente pelo American Express Bank chama a atenção para a explosão no endividamento dos governos desses países nos últimos cinco anos. Na lista dos casos de "alto risco" apontados pelo banco figuram Brasil, Argentina, Turquia, Israel e Indonésia. A situação de outros países, como Tailândia, Índia, China, Malásia, Filipinas e Venezuela, é tida como "vulnerável".
Segundo o banco norte-americano, que tem boa reputação nos Estados Unidos e na Europa, aumentam as dúvidas sobre a sustentabilidade das dívidas desses países. Em outras palavras, a instituição questiona a capacidade que governos terão de honrar seus compromissos, em um cenário de baixo crescimento econômico e altas taxas de juros.
Geralmente, relações muito altas entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto) podem ser estabilizadas por meio de um esforço fiscal dos governos. Cortes severos de gastos podem levar a superávits primários (receitas menos despesas, sem incluir gastos com juros) suficientemente elevados. Com isso, governos conseguem receita para que juros e amortizações da dívida sejam pagos.
Se esses superávits são constantes, a tendência é que a relação entre dívida e PIB se estabilize. Se, além disso, há uma redução das taxas de juros nesses países o ritmo de expansão do endividamento diminui e a relação entre dívida e PIB pode até cair.
No entanto, segundo o American Express Bank, o ônus político de cortes severos de gastos é grande demais para alguns países emergentes, principalmente em um cenário de crescimento econômico modesto. Além disso, muitos deles convivem com altas taxas de juros. Essas dificuldades ameaçam colocar a capacidade de pagamento da dívida em xeque.
Se essa percepção crescer no mercado financeiro, as dívidas de alguns países podem sofrer um ataque especulativo. Assustados, investidores decidem vender os títulos da dívida externa de um país, temendo problemas de solvência. O risco disso é que esse movimento acabe provocando de fato um calote, que poderia não ter ocorrido sem o ataque.
Para alguns analistas, o Brasil está vivendo exatamente essa situação. Os C-Bonds, principais títulos da dívida brasileira, já se desvalorizaram 33% neste ano. Mas economistas brasileiros garantem que os riscos de calote na dívida brasileira são mínimos (ver texto na página B3).

Motivos do endividamento
São três as principais causas para a explosão no endividamento público dos países emergentes:
1) altos déficits orçamentários;
2) a substituição, em muitos países, de câmbio fixo por flutuante abriu espaço para a forte desvalorização de muitas moedas. Como muitos países têm parte de suas dívidas em (ou corrigidas pelo) dólar, a desvalorização fez com que o endividamento aumentasse;
3) depois das repetidas crises que afetaram os mercados emergentes, muitos governos partiram para o saneamento dos sistemas bancários de seus países, assumindo dívidas de segmentos quebrados do setor privado.
Segundo o relatório do American Express Bank, dos 20 maiores países emergentes analisados 11 deverão encerrar 2002 com uma relação entre dívida e PIB superior a 50%. Em outros seis países, esse indicador tende a ultrapassar 70%. O Brasil, de acordo com estimativas do banco, faz parte da segunda lista, devendo encerrar o ano com uma relação dívida/PIB de 72,4%.
As preocupações refletidas pelo American Express Bank já vinham ganhando contorno no comportamento de investidores estrangeiros. O índice Embi Plus, calculado pelo JP Morgan, que mede a percepção de risco dos mercados emergentes, teve um salto de 36% neste ano.
O temor em relação à capacidade de pagamento dos países emergentes cresce principalmente porque os mercados financeiros globais passam por um momento de aversão generalizada a risco.
Perspectivas de que a economia mundial vai se recuperar a passos lentos somadas a prejuízos causados por escândalos corporativos reduziram o apetite por aplicações arriscadas. Investimentos em mercados emergentes se enquadram nessa categoria.
O economista Otaviano Canuto, professor da USP e da Unicamp, aponta outro interessante motivo para a preocupação de investidores estrangeiros em relação às economias emergentes. Ele lembra que está em discussão no FMI (Fundo Monetário Internacional) proposta da vice-diretora-gerente da instituição, Anne Krueger, de criação de um mecanismo para reestruturação de dívidas soberanas.
A idéia de Krueger é que quando um país enfrentar problemas de solvência sua dívida possa ser reestruturada e que os custos também sejam arcados pelos credores privados. Ou seja, a intenção é reduzir o ônus do FMI com pacotes de socorro.
"A intenção do FMI é que os investidores estrangeiros pensem bem antes de assumir riscos. Parte dos temores atuais com endividamento dos emergentes já pode estar refletindo isso", diz Canuto.



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