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VISÃO DE FORA
O papel potencial do Mercosul
MICHAEL PETTIS
Nos meus dois artigos anteriores (18/10 e 15/11, Dinheiro, pág.
2-2), expus os argumentos históricos em favor do protecionismo
e da estratégia da "indústria"
nascente. Ainda assim, quaisquer que sejam os méritos do argumento e a favor da defesa da
indústria nascente, há economistas que alegam que os mercados
individuais latino-americanos
são pequenos demais para permitir grande número de concorrentes.
Mas concorrência é um pré-requisito se não se deseja que o
protecionismo conduza ao tipo
de monopólio ineficiente e atrasado que caracterizou o protecionismo latino-americano ao
longo de sua história. Se a teoria
fosse verdade, e já que não haveria vantagem em proteger os locais contra a concorrência de
países com nível de produtividade semelhante, isso sugere que a
melhor política seria expandir os
pequenos mercados "domésticos" por meio da criação de zonas de livre comércio entre grupos de países de nível médio de
renda, como faz o Mercosul.
Sob uma união alfandegária
dessa espécie, o mercado pode
decidir de forma livre e eficiente
como os recursos são alocados
dentro de cada país; isso é crucial, já que livre competição e especialização parecem ser os fatores que conduzem ao crescimento da produtividade. Um arranjo
como o Mercosul poderia proteger seletivamente o grupo de países-membros contra a concorrência em setores onde se crê que
um ganho rápido de produtividade possa ser conquistado. Mas
o protecionismo teria de ser seletivo. Por exemplo, não poderia
restringir setores altamente
avançados, como computadores
ou telecomunicações, dos quais o
crescimento da produtividade de
outras áreas pode depender.
Com essas exceções, porém, os
mercados seriam livres e abertos
às ações estratégicas de qualquer
investidor ou produtor individual. Regras e estruturas que restringem a competição seriam eliminadas. Além disso, o acordo
de comércio regional poderia ser
usado para solidificar as reformas econômicas liberais e impedi-las de cair devido à pressão de
poderosos grupos de interesse
domésticos. Mais importante,
governos locais permitiriam que
os negócios se desenvolvessem livremente e evitariam a tentação
de administrar o processo.
A meta não é eliminar os confusos processos do capitalismo,
mas sim encorajá-los e ao mesmo tempo impedir que desvantagens momentâneas de produtividade sejam congeladas permanentemente devido ao comércio
internacional. Em outras palavras, o objetivo seria replicar o
crescimento rápido e caótico que
os Estados Unidos obtiveram no
começo do século 19, por trás de
suas barreiras de proteção contra o comércio britânico.
Por fim, ao reduzir a tendência
de especialização baseada nas
atuais vantagens comparativas,
países de renda média como o
Brasil poderiam reduzir sua sensibilidade a variações nos preços
das commodities, que é tipicamente sua área mais vantajosa.
Historicamente, um dos efeitos
que acompanham a proteção à
indústria é uma transferência de
riqueza do setor de commodities
para o setor industrial, no qual a
renda é distribuída de forma
mais ampla entre as classes sociais.
Ao criar uma base de consumidores local, o protecionismo pode ajudar a reduzir o impacto,
historicamente devastador, das
contrações na liquidez global e
dos declínios nos preços das commodities (que é o que parece estar acontecendo hoje). As proteções desviam o influxo de capital
estrangeiro, que parece aumentar e diminuir quase independentemente das oportunidades
de investimento doméstico, para
o investimento de longo prazo,
em lugar dos típicos picos de consumo de importados que caracterizam os booms latino-americanos.
Diferentemente do Nafta, sob o
qual corporações mexicanas
quase certamente perderão lugar
para corporações dos EUA em
quase todos os setores altamente
produtivos, no Mercosul há, em
geral, uma igualdade de níveis
de produtividade que não deve
resultar em uma reacomodação
de indústrias de crescimento
mais rápido em benefício de um
país específico. É certo que podem ocorrer deslocamentos econômicos desconfortáveis, à medida que questões de economia
de escala e vantagens locais façam com que empresas mudem
de base, mas na média cada país
terá ganhos que compensarão
suas perdas.
Se um grupo de indústrias sofisticadas e de crescimento rápido sair da Argentina rumo ao
Brasil, por exemplo, isso deixará
um excedente de trabalhadores
bem treinados na Argentina disponíveis para outros setores em
crescimento. Já que a consequente alta na exportação de produtos brasileiros para a Argentina
causará alta também na demanda brasileira por bens argentinos, as tendências se compensam. Ainda que essa troca de indústrias possa não resultar em
compensações perfeitas, a região
como um todo compartilhará os
ganhos de eficiência causados
por vantagens comparativas
dentro da região, e essas melhoras provavelmente mais que
compensarão quaisquer desequilíbrios regionais.
Provas dos benefícios do protecionismo regional talvez possam
ser encontradas, ironicamente,
em um estudo realizado dois
anos atrás pelo Banco Mundial,
que criticava exatamente as possibilidades de protecionismo implícitas no Mercosul. Em uma resenha sobre o estudo publicada
em 23 de outubro de 1996, o
"Wall Street Journal" alegava
que "o Mercosul construiu um
mundo artificial de crescimento
econômico, onde indústrias ineficientes prosperam por trás de
uma muralha de barreiras comerciais".
O estudo afirma que houve
imenso ganho na indústria e no
comércio regionais, mas critica o
acordo porque, sem o protecionismo, a economia do Mercosul
não seria capaz de resistir à competição estrangeira. Nas palavras de Alexander Yeats, autor
do trabalho, o comércio intra-regional está "crescendo mais rapidamente para produtos onde
não há evidência de que o Mercosul tenha alguma vantagem
comparativa natural".
Mas, ironicamente, não há nada artificial quanto ao crescimento de produção no Mercosul.
Dada a capacidade instalada excedente e o desemprego na região, esse aumento representa
ganho real de riqueza. O mais
importante é que se, ao longo do
tempo, os produtores locais puderem aumentar a eficiência a
um ponto que permita a eles
competir internacionalmente, o
resultado será um aumento sustentado e real na riqueza do
Mercosul e uma alteração nas
vantagens comparativas "naturais". Esse é precisamente o motivo básico do protecionismo e
exatamente o mesmo caminho
que os EUA e outros países hoje
ricos seguiram historicamente.
O interessante é que no Mercosul a Argentina, com sua orientação maior para a exportação
de commodities, desempenhou o
papel do sul dos EUA, exportador de algodão, antes da Guerra
Civil, contra o papel de "norte industrializado dos EUA" desempenhado pelo Brasil. Da mesma
forma que no conflito econômico
entre norte e sul dos EUA, no
Mercosul a Argentina pressiona
mais vigorosamente por mercados abertos, diante da posição
mais protecionista dos brasileiros.
Para resumir, parece que, embora economistas e banqueiros
em geral favoreçam o livre comércio para a América Latina,
quanto a esse ponto a história
parece conflitar seriamente com
a teoria econômica de consenso.
Para países menos desenvolvidos, tanto o livre comércio quanto economias fechadas e dirigistas têm desempenhos históricos
medíocres, enquanto uma estratégia mista "hamiltoniana", envolvendo competição doméstica
em um grande mercado protegido contra competidores estrangeiros produtivos, existe como
uma alternativa comprovada
para as autoridades.
Além disso, para os pequenos
mercados da América Latina
uma zona de livre comércio regional, com barreiras externas,
pode ser uma maneira de tirar
vantagem tanto dos benefícios
econômicos indubitáveis da especialização conduzida pelo livre mercado quanto da proteção
temporária a indústrias nascentes. Os acordos que estabelecem a
zona de livre comércio ajudam a
firmar as reformas de mercado e
impedem os recuos preconizados
pelos poderosos interesses domésticos.
À medida que as companhias
competem internacionalmente,
esses países provavelmente verão
desregulamentação competitiva,
reduções nos custos corporativos,
rompimento de monopólios domésticos e o livre fluxo de capital
internacional, que conduz o processo de investimento na América Latina. Mais: a proteção da
zona de comércio regional vai
defender os produtores locais
contra os efeitos da competição
unilateral contra produtores
muito mais eficientes no mundo
rico, um tipo de competição que
jamais resultou em crescimento
relativo para os pobres.
²
Quem é
MICHAEL PETTIS
norte-americano, 39 anos, mestre em finanças, diretor do banco de investimentos
Bear Stearns e professor-associado de finanças na Graduate School of Business da
Columbia University (EUA).
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