São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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DIAGNÓSTICO & RECEITA
Abuso de poder

OSIRIS LOPES FILHO
Tem ocorrido, em volume progressivo, a erosão da ordem jurídica no país. A ineficácia da norma jurídica sempre foi tradicional. Aqui, há historicamente leis que pegam e outras que não colam.
O mais grave atualmente é que os atentados à lei, os abusos de direito, a vulneração à dignidade da pessoa humana e à cidadania, estão sendo praticados pelos que têm o dever de zelar pelo cumprimento da lei: os agentes públicos.
O jornalista Janio de Freitas, na sua coluna de quarta-feira, aborda um caso emblemático. Denuncia a arbitrariedade e a prepotência da Polícia Federal e da Aeronáutica, praticadas em relação a passageiros chegados de viagens internacionais, no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
Depois de liberados pela Alfândega, e já na área externa do aeroporto, os viajantes foram submetidos a nova revista, pessoal e de sua bagagem, pelos agentes das citadas organizações.
Trata-se de evidente abuso de poder. A Polícia Federal tem competência para "prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho". Todavia, ela não pode repetir a ação dos funcionários aduaneiros. Liberados pela Alfândega, não pode a Polícia Federal, indiscriminadamente, constranger os viajantes a serem submetidos, em via pública, a revista pessoal e de seus pertences.
Há um problema de prova jurídica. Enquanto o passageiro e sua bagagem estiverem na zona primária (recintos da Alfândega, nos portos, aeroportos e postos de fronteira), o ônus da prova é do passageiro. É ele que tem de provar a legalidade dos bens trazidos do exterior e o atendimento das normas que disciplinam a entrada no país da bagagem acompanhada.
Já no resto do território nacional (a zona secundária), o encargo da prova é da autoridade. A ela cabe apresentar a prova da ilicitude. Como exceção, apenas nos casos em que existam evidentes indícios da prática de crime pode a autoridade policial revistar pessoas ou veículos na zona secundária. Fazê-lo nas imediações do aeroporto, logo após o controle exercido pela Alfândega, é objetivamente desprestigiar essa instituição e desrespeitar os direitos do cidadão e agir sem base legal, em intolerável abuso de poder.
De qualquer forma, o desacerto entre as instituições, Receita Federal e Polícia Federal, mostra a descoordenação que prevalece na administração federal. Usando a terminologia do presidente FHC, trata-se de um exemplo de administração vagabunda.
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Osiris de Azevedo Lopes Filho, 59, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.



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