São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Coréia do Sul faz revolução produtiva

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O presidente da Coréia do Sul, Kim Dae-Jung, anunciou na semana passada uma verdadeira revolução produtiva no país. A julgar pela reação dos mercados e dos investidores, a economia coreana está prestes a dar uma lição de ajuste ao mundo.
Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a mera hipótese de se criar o Ministério da Produção deflagrou uma das mais violentas ondas de besteirol neoliberal dos últimos anos, os coreanos tratam de enfrentar a crise com medidas voltadas para a produção.
O princípio é bastante claro: já que é preciso fazer um ajuste, ao menos que ele seja organizado, visando ao aumento da competitividade do país. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual já pertence a Coréia do Sul, elogiou na semana passada a rapidez com que o país está fazendo a reestruturação produtiva.
Para quem deseja conhecer as diretrizes básicas desse processo, há uma tradução para o inglês do "Acordo para a Reestruturação dos Cinco Maiores Chaebol" na página do Ministério das Finanças e Economia da Coréia (http:// www.mofe.go.kr).
O "chaebol" é o conglomerado ou grupo econômico coreano, muito semelhante aos "keiretsu" japoneses: megaempresas atuando em vários setores, com forte poder de alavancagem financeira (leia-se endividamento) e amparadas em formas variadas de conluio com o Estado.
O próprio FMI, que empenhou quase US$ 60 bilhões para evitar o colapso coreano, pressionou por uma reestruturação desses grupos empresariais. A situação lembra muito o pós-guerra japonês, quando as autoridades de ocupação norte-americanas exigiram o desmonte dos "zaibatsu", os conglomerados do Japão.
Eles foram eliminados, mas no seu lugar surgiram os "keiretsu", novamente megaempresas fortalecidas e com grande poder de articulação com o Estado.
A situação coreana hoje é semelhante. Há o compromisso com a abertura da economia, a privatização, a flexibilização do mercado de trabalho. Somente o tempo dirá até que ponto os coreanos de fato permitirão a desnacionalização da economia. O setor de telecomunicações, por exemplo, continua protegido, e houve adiamento da sua liberalização.
Na prática, o Estado criou fundos para sanear as instituições financeiras e apoiar a reestruturação das empresas. A prioridade é reduzir a capacidade produtiva redundante e forçar os "chaebol" a se concentrar em setores onde têm mais competência.
O processo tem uma tendência a criar grupos ainda mais poderosos, com poder de mercado ainda maior. O próprio informe oficial registra que mais de 20 mil pequenas e médias empresas já foram fechadas, enquanto os maiores conglomerados ainda respondem por 30% do endividamento no país.
O aspecto mais curioso do processo de reestruturação é que nada é deixado ao sabor das forças de mercado, tudo passa pela definição de metas e procedimentos por meio de consultas entre empresas, bancos e governo.
É o governo que anuncia as diretrizes e orienta a reorganização patrimonial. Em poucas palavras, no lugar de uma "destruição criadora" que desorganiza a economia e aprofunda a recessão, os coreanos fazem na crise uma nova política industrial.
No mercado global, os coreanos provavelmente darão outras demonstrações nos próximos meses de que uma boa política industrial compensa. Os preços de commodities estão despencando, o que favorece os custos da produção industrial no país. E, em setores de alta tecnologia, como a produção de chips de memória eletrônica, os coreanos dominam nada menos que 35% do mercado global. Aliás, os EUA acabam de ser derrotados na OMC num painel sobre política antidumping contra semicondutores coreanos.
Com reservas internacionais no nível mais alto de sua história (mais de US$ 50 bilhões) e recebendo volumes também recorde de investimento estrangeiro, o tigre asiático está ressuscitando. E não está banguela.



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