São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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O estrangulamento do setor produtivo brasileiro


LUCIANO COUTINHO


A armadilha da taxa de câmbio sobrevalorizada, que requer juros elevadíssimos, volta a apertar o garrote sobre o setor produtivo brasileiro. Não me refiro apenas aos superjuros que estiveram acima de 40% a.a. em outubro - novembro e agora estão ao redor de 32,6% a.a. e em lenta queda. Espera-se que o socorro financeiro, armado pelo FMI, permita às autoridades monetárias ir baixando a taxa básica para perto de 20% a.a. até o fim do primeiro trimestre de 1999 -isto é, se tudo correr conforme previsto no acordo com o FMI e se não ocorrerem perdas de reservas, conforme sublinhado pelo jornalista Celso Pinto na última quinta-feira. Refiro-me à taxa de 19% a 20% a.a. que parece ser o piso para os juros brasileiros -este patamar já é mais que suficiente para estrangular o setor empresarial, especialmente de capital nacional, e também para fazer galopar o volume da dívida interna (que dificilmente se estabilizará até o ano 2001, como prometido no acordo com o Fundo). Este piso para a taxa de juros resulta da soma de um cupom cambial mínimo de 12% a.a. (taxa de juros líquida da desvalorização cambial e impostos, para o investidor estrangeiro) mais a desvalorização esperada da taxa de câmbio, estimada em 7,4% a.a. em 1999 (12% + 7,4% = 19,4% a.a.).
A encalacrada é difícil. Não dá para oferecer um cupom cambial mais magro ao investidor externo (ou ao investidor brasileiro que tem seus recursos no exterior) enquanto o país depender em grande escala do ingresso de capitais forâneos. Também não dá para desacelerar a correção gradualista da taxa de câmbio. Como todo o mercado sabe que o câmbio está sobrevalorizado (e o Banco Central o confessa ao "programar" o ritmo de desvalorização nos próximos 12 meses) qualquer redução na velocidade de depreciação provocará forte especulação. Resultado, os juros permanecem altos e a economia brasileira amargará um ano de desgastante recessão em 1999 e, na melhor hipótese, poderá ter um crescimento muito medíocre no biênio 2000-2001, pois a necessidade de correção gradualista da taxa de câmbio se projeta neste período (o próprio BC estima juros médios ainda muito elevados até 2001).
Este prognóstico deveria levar o governo a atuar incisivamente na redução da restrição cambial. Uma reversão do déficit comercial em direção a um superávit seria indispensável. Como não é realista supor que as exportações poderão crescer vigorosamente (dada a atual taxa de câmbio e o provável arrefecimento do crescimento da economia mundial) restaria o recurso de reduzir expressivamente o volume de importações e de gastos com turismo. Do ponto de vista da eficiência econômica e da manutenção do emprego, as importações de bens finais de consumo (US$ 12 bilhões em 1997) e a viagens ao exterior (US$ 4,5 bilhões em 1997) poderiam ser cortadas entre 1/3 e 1/2. Além disso o governo deveria articular uma forte política de estímulo às exportações. O BNDES e o BB deveriam atuar intensamente, facilitando a reciclagem das dívidas empresariais com juros razoáveis e auxiliando os projetos de exportação e/ou de substituição eficiente de importações.
Para a perplexidade geral, porém, o BNDES acabou de subir a sua taxa de juros de longo prazo -TJLP de 11,68% a.a. para 18,6% a.a. Esta taxa básica, aplicada aos seus contratos, chega às empresas com um spread adicional de no mínimo 5% -totalizando, hoje, uma taxa de juros de pelo menos 23% a.a. É um absurdo!
A fórmula de fixação da TJLP foi uma invenção tecnocrática tola: é uma média ponderada dos títulos brasileiros da dívida interna e externa. Evidentemente, sempre que há uma crise e o risco-Brasil dispara a TJLP sobe -exatamente no momento em que, compensatoriamente, deveria baixar. No momento atual de inflação zero ou negativa o valor real da taxa é insustentavelmente elevado (vide gráfico) e se persistir, ainda que seja por um trimestre, asfixiará mortalmente o setor privado nacional, que já enfrenta o espectro da recessão. Ficará sem sentido a criação de um Ministério da Produção se o principal banco de desenvolvimento do país continuar praticando uma política insana de estrangulamento do setor empresarial brasileiro.



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