São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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AMÉRICA LATINA
Nas duas últimas décadas os ricos ficaram mais ricos, e os pobres, mais pobres, constatou estudo do Indec

MAURÍCIO SANTANA DIAS
de Buenos Aires

A distribuição de renda na Argentina piorou nas duas últimas décadas. Não só: a diferença entre pobres e ricos se vem acentuando desde 1994.
É o que mostra uma recente pesquisa do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), referente a agosto de 1998.
Desde 1974, ano em que o Indec começou a medir a concentração de riqueza no país, o único segmento que não sofreu perdas o dos 10% mais abastados.
Os outros 90% dos argentinos viram seu poder aquisitivo minguar progressivamente, com o agravante de que as perdas aumentaram à medida que se passava aos setores menos favorecidos.
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Distribuição Assim, em 1974 os 20% mais ricos detinham 43,7% da renda total, contra 6,7% do mesmo percentual mais pobre.
Em agosto de 1998, esses mesmos grupos sociais repartem a riqueza da Argentina de forma ainda mais desigual, registrando um recorde histórico -53,2% contra 4,2%. A crise social se aprofundou no segundo governo de Carlos Menem.
No curto período que vai de maio de 1994 a agosto de 1998, a porcentagem de trabalhadores que ganham menos de US$ 200 mensais perdeu 26% dos seus rendimentos, enquanto os que ganham acima de US$ 1.500 -uma faixa que abarca apenas 10% da população- passaram a perceber cerca de 9% a mais.
Com esses números, a Argentina, que pelo menos em termos regionais sempre foi um modelo de equidade, passa a figurar no rol dos campeões da desigualdade social, superando a média dos países latino-americanos -onde os 20% mais ricos se apropriam de 52,9% da renda, segundo dados do Banco Mundial (Bird).
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Possíveis causas A crescente pauperização da Argentina não se deve a uma queda da atividade econômica -que, aliás, cresceu em níveis extraordinários nos últimos oito anos, com a exceção de 1995-, mas a um nítido processo de concentração da riqueza.
Segundo os técnicos do Indec, o agravamento da desigualdade social pode ser melhor entendido a partir de uma análise do que ocorreu com salários e empregos nos últimos anos.
Uma primeira evidência aponta que, entre maio de 1994 e agosto de 1998, o custo de vida na Argentina aumentou 6,4%, enquanto os salários nominais se mantiveram estacionados.
Além disso, o trabalho informal -cujos salários são em média 40% mais baixos que os dos empregados registrados- aumentou mais de 25% nesses quatro anos.
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Trabalho precário Houve também um maior número de contratos temporários ou precários, com baixa remuneração e alto índice de instabilidade, o que produz basicamente dois resultados: depreciação geral dos salários e enfraquecimento da seguridade social.
Com isso, oito em cada dez trabalhadores argentinos se vêem impossibilitados de custear os gastos básicos de uma família padrão (casal com dois filhos), estimados em US$ 1.032 mensais pela Fundación de Investigaciones para el Desarrollo (Fide).
Por outro lado, o Indec salienta que a desigualdade entre ricos e pobres pode ser ainda maior.
Isso porque os segmentos mais abastados, temendo o fisco, tendem a declarar menos do que possuem.
Para o economista Jose Luis Machinea, um dos possíveis ministros da Economia caso a oposição a Menem vença as próximas eleições, marcadas para 99, "o fato de que a pobreza aumente ao mesmo tempo em que a economia cresce é alarmante, uma clara manifestação de que piorou a distribuição de renda no país".
O certo é que os números apresentados pelo Indec demonstram, mais uma vez, que é possível conseguir crescimento econômico sem desenvolvimento social.
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Melhor que o Brasil De qualquer forma, vale lembrar que a situação da Argentina, apesar dos indicadores sociais negativos, ainda é bem mais confortável que a do seu maior vizinho.
No Brasil, o décimo da população mais rica detém 47% da renda nacional -como mostrou o relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid), divulgado no mês passado.



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