São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Primeiro emprego

BENJAMIN STEINBRUCH

A noite e a madrugada do Réveillon foram extremamente violentas na Grande São Paulo. Enquanto os paulistanos comemoravam o ano novo, 31 pessoas foram mortas em chacinas e homicídios variados na área metropolitana. No dia seguinte, 22 desses mortos haviam sido identificados. Onze deles tinham entre 17 e 24 anos.
Essa estatística é o retrato de uma realidade tenebrosa: o Brasil, país pacífico, perde milhares de jovens por ano, como se estivesse em guerra, por causa da ação do crime organizado e da violência urbana. Segundo números do IBGE, houve 1,9 milhão de mortes violentas no país nos últimos 20 anos. Desse total, 1,5 milhão eram jovens. Se houvesse participado de uma guerra, certamente o Brasil não teria perdido tantos brasileiros.
O homicídio é, de longe, a principal causa da morte de jovens no país. Em alguns Estados, como São Paulo e Rio, metade da mortalidade juvenil decorre de assassinatos. Em todo o país, o índice está em torno de 40%.
Por que isso acontece? O novo ministro do Trabalho, Jaques Wagner, lembrou na semana passada uma das causas: a falta de acesso dos jovens ao mercado formal de trabalho.
Qualquer pessoa com mais de 20 anos pode confirmar a afirmação do ministro sobre a difícil tarefa de conseguir o primeiro emprego. As oportunidades que aparecem -e isso pode ser comprovado até nos anúncios de empregos nos jornais- exigem sempre experiência. "Mas como conseguir experiência sem ter a primeira oportunidade de trabalhar?", costumam perguntar os jovens.
Para quem está saindo de uma universidade, em geral com estágios já feitos, o mercado de trabalho já é muito difícil. Mas, para quem não teve a sorte de estudar, ele é quase impenetrável. Essa realidade empurra os jovens para a criminalidade. Ao assumir a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, o deputado Nilmário Miranda estimou que existem cerca de 8 milhões de jovens em situação de risco no Brasil. Ou seja, frequentaram a escola por no máximo dois anos, não têm qualificações para o trabalho e são facilmente recrutados pelo crime organizado.
No magnífico filme "Cidade de Deus", vimos claramente como as crianças e adolescentes participam ativamente do mundo do crime. Não são mais "aviõezinhos", aqueles pequenos olheiros que vigiavam a chegada da polícia para alertar os traficantes ou levavam mensagens a clientes compradores de drogas. São "soldados" armados.
O ministro Jaques Wagner diz ter um plano para disputar essa mão-de-obra juvenil com o mercado do crime e atraí-la ao mercado de trabalho. A idéia é lançar o que ele chamou de Programa do Primeiro Emprego da Juventude. Pelo plano, as empresas serão estimuladas a oferecer contratos de primeiro emprego a jovens entre 16 e 24 anos. Os contratos teriam um ano e o governo arcaria com os encargos trabalhistas dos primeiros seis meses. Os outros seis ficaram por conta do empregador.
Para dar certo, um plano como esse exige dedicação, muita participação da sociedade e uma boa parcela de recursos públicos para estimular as empresas. Enquanto a economia não retoma o crescimento, que naturalmente promoverá a absorção da mão-de-obra que entra no mercado de trabalho, o governo tem a obrigação de pensar em programas como esse.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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