São Paulo, segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Primárias nos EUA


Os políticos dos EUA parecem presos em um círculo de giz que torna a eleição pouco relevante para os demais países

EM UM começo de ano pobre de notícias, as reportagens jornalistas sobre as eleições primárias nos Estados Unidos enchem as páginas dos jornais. Desde meus tempos de menino, quando um dos meus heróis era Franklin Delano Roosevelt, eu "votava" democrata. Nas eleições de 1960, em que John Fitzgerald Kennedy venceu Richard Nixon, eu torcia fortemente por ele. Hoje, porém, estou convencido de que as eleições norte-americanas não farão diferença para o Brasil. Por que essa mudança de atitude? Fui eu ou foram os Estados Unidos que mudaram?
Creio que foram ambos. Eu mudei porque ficou mais claro para mim que a lógica do capitalismo global em que vivemos não é a da cooperação, mas a da competição entre as nações por maiores taxas de crescimento econômico em que estão envolvidas. Isso não significa que elas não colaborem entre si -são obrigadas a fazê-lo, pelo menos para estabelecer as regras da concorrência. Mas a regra é cada governo cuidar do seu próprio Estado-nação -dos interesses dos seus cidadãos. Na medida em que a democracia avançou em um grande número de países, essa política ficou mais clara: a identificação dos governos com os interesses do trabalho, do conhecimento e do capital nacional aumentou. Os governantes se tornaram mais nacionalistas -ainda que não gostem de assim serem identificados- porque sua reeleição depende do êxito que tenham em atender às demandas de seus eleitores. Na medida em que isso ficou claro para mim, percebi que não se poderia esperar muito dos demais países, inclusive dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos também mudaram. Quando eu era menino, eles estavam em luta contra o nazismo; essa era também a nossa luta.
Quando eu me tornei adulto, eles estavam em luta contra o estatismo soviético, e essa era também a nossa luta. Logo no pós-guerra, os Estados Unidos haviam se transformado em uma espécie de farol para o mundo. O país mais rico, mais dinâmico, mais democrático, mais progressista. Hoje, os Estados Unidos continuam o país mais rico e poderoso do mundo, mas não o mais dinâmico -perderam essa liderança, primeiro, para a Europa e o Japão, e, depois, para os países asiáticos dinâmicos, encabeçados pela China.
Também não são o país mais democrático -é só ver o peso do dinheiro e da religião nas eleições ou o baixo comparecimento às urnas. E estão longe de serem o país socialmente mais progressista. Em termos de Estado do bem-estar, ficaram para trás dos países europeus. Seus índices de desigualdade ainda são melhores do que os brasileiros, mas muito piores do que os europeus e asiáticos.
Os Estados Unidos não estão sendo capazes de exercer a liderança que a riqueza de seu país, a cultura de suas universidades e a capacidade empreendedora de seu povo poderiam permitir. Em vez disso, resistem às iniciativas de cooperação mundial, como o Protocolo de Kyoto ou a Corte Internacional Criminal. Presos a uma geopolítica que não tem mais sentido na globalização, fazem intervenções armadas e desrespeitam direitos humanos.
Quando essas políticas se revelam desastrosas, as alternativas que a oposição oferece não implicam mudança real. Os políticos americanos parecem presos em um círculo de giz que torna as eleições presidenciais pouco significativas para os demais países.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


Texto Anterior: Ganho de R$ 2 bi com taxação maior de banco é subestimada
Próximo Texto: Folhainvest
Fundos ligados a juros têm recuo histórico

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.