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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Primárias nos EUA
Os políticos dos EUA parecem presos em um círculo de giz que torna a eleição pouco relevante para os demais países
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EM UM começo de ano pobre
de notícias, as reportagens
jornalistas sobre as eleições
primárias nos Estados Unidos enchem as páginas dos jornais. Desde
meus tempos de menino, quando
um dos meus heróis era Franklin
Delano Roosevelt, eu "votava" democrata. Nas eleições de 1960, em
que John Fitzgerald Kennedy venceu Richard Nixon, eu torcia fortemente por ele. Hoje, porém, estou
convencido de que as eleições norte-americanas não farão diferença
para o Brasil. Por que essa mudança
de atitude? Fui eu ou foram os Estados Unidos que mudaram?
Creio que foram ambos. Eu mudei porque ficou mais claro para
mim que a lógica do capitalismo
global em que vivemos não é a da
cooperação, mas a da competição
entre as nações por maiores taxas
de crescimento econômico em que
estão envolvidas. Isso não significa
que elas não colaborem entre si
-são obrigadas a fazê-lo, pelo menos para estabelecer as regras da
concorrência. Mas a regra é cada
governo cuidar do seu próprio Estado-nação -dos interesses dos seus
cidadãos. Na medida em que a democracia avançou em um grande
número de países, essa política ficou mais clara: a identificação dos
governos com os interesses do trabalho, do conhecimento e do capital nacional aumentou. Os governantes se tornaram mais nacionalistas -ainda que não gostem de assim serem identificados- porque
sua reeleição depende do êxito que
tenham em atender às demandas
de seus eleitores. Na medida em
que isso ficou claro para mim, percebi que não se poderia esperar
muito dos demais países, inclusive
dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos também mudaram. Quando eu era menino, eles
estavam em luta contra o nazismo;
essa era também a nossa luta.
Quando eu me tornei adulto, eles
estavam em luta contra o estatismo
soviético, e essa era também a nossa
luta. Logo no pós-guerra, os Estados Unidos haviam se transformado em uma espécie de farol para o
mundo. O país mais rico, mais dinâmico, mais democrático, mais progressista. Hoje, os Estados Unidos
continuam o país mais rico e poderoso do mundo, mas não o mais dinâmico -perderam essa liderança,
primeiro, para a Europa e o Japão,
e, depois, para os países asiáticos dinâmicos, encabeçados pela China.
Também não são o país mais democrático -é só ver o peso do dinheiro
e da religião nas eleições ou o baixo
comparecimento às urnas. E estão
longe de serem o país socialmente
mais progressista. Em termos de
Estado do bem-estar, ficaram para
trás dos países europeus. Seus índices de desigualdade ainda são melhores do que os brasileiros, mas
muito piores do que os europeus e
asiáticos.
Os Estados Unidos não estão sendo capazes de exercer a liderança
que a riqueza de seu país, a cultura
de suas universidades e a capacidade
empreendedora de seu povo poderiam permitir. Em vez disso, resistem às iniciativas de cooperação
mundial, como o Protocolo de Kyoto ou a Corte Internacional Criminal. Presos a uma geopolítica que
não tem mais sentido na globalização, fazem intervenções armadas e
desrespeitam direitos humanos.
Quando essas políticas se revelam
desastrosas, as alternativas que a
oposição oferece não implicam mudança real. Os políticos americanos
parecem presos em um círculo de
giz que torna as eleições presidenciais pouco significativas para os demais países.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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