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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As agências reguladoras e a terceirização do governo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Volto à questão das agências reguladoras e de suas implicações sobre a vida de todos nós. O PT manteve nos últimos dias uma pressão constante sobre a opinião pública, na tentativa de desmoralizar o sistema atual de regulação e fiscalização dos serviços públicos. Paralelamente a esse movimento, acionou um grupo de juristas ligados ao partido para encontrar uma forma legal de demitir os dirigentes atuais dessas agências e substituí-los por pessoas ligadas ao PT. Os argumentos jurídicos para tal ação que estão vindo a público são lamentáveis e já foram desmoralizados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.
O debate público sobre as agências vai continuar, pois a imprensa percebeu sua importância para a sociedade. Espero que o governo desça de seu palanque eleitoral, deixe de lado sua preocupação de petizar a administração pública e participe com idéias e propostas nessa tão necessária revisão das mudanças patrocinadas pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. Todos sairiam ganhando com isso.
Mas voltemos a nossas reflexões sobre o modelo institucional das agências reguladoras. Vimos que o objetivo central do modelo é moderar a influência política sobre as empresas de serviços públicos, sejam públicas ou privadas, que precisam de regras estáveis para funcionar de forma eficiente. Para alcançá-las, a duração dos mandatos de seus dirigentes é fixa e definida de maneira que a cada período de governo haja uma reciclagem parcial dos administradores. Essa foi a solução encontrada pelas democracias mais avançadas para resolver essa questão e foi adotada no Brasil.
Por isso, ao longo de seu mandato, o presidente Lula terá a oportunidade de escolher novos dirigentes das agências que defendam pontos de vista alinhados com seu pensamento político. Da mesma forma como ele será responsável pela indicação de pelo menos três juízes da nossa suprema corte. Não faz sentido, portanto, provocar toda essa celeuma, tornar instáveis as relações com os concessionários atuais e reduzir ainda mais nossa já abalada credibilidade internacional.
Uma prova evidente da inconsistência teórica do PT nessa questão é a sua posição em favor do Banco Central independente. Nossos novos governantes, principalmente o grupo dirigente que comanda as ações do governo, não conseguem perceber que o Banco Central é também uma agência reguladora que administra um dos monopólios públicos por excelência -o outro é o do uso da força-, que é a emissão de moeda! Como então entender essa guerra santa contra a Anatel, a Aneel e a ANP, com o argumento de que o governo FHC terceirizou suas atividades? Dar independência ao Banco Central será talvez a terceirização mais radical que pode ser realizada por um governo. Será que Lula não percebe isso? Como explicar essa incoerência que agride o analista mais frio e independente? Não podemos deixar de pensar que isso acontece pura e simplesmente porque será de responsabilidade de Lula indicar a primeira direção de uma autoridade monetária independente.
Mas voltemos à reflexão sobre alguns pontos específicos dos atuais contratos de concessão que têm sido atacados por ministros e outros membros do governo. O mais importante deles tem sido a correção anual das tarifas pelo IGP. Por um lado, dizem os críticos dos contratos atuais que a economia está desindexada e, portanto, não é necessária uma correção contratual. Dado o histórico da inflação no Brasil, mesmo após o sucesso do Plano Real, quem em sã consciência pode defender que as tarifas públicas sejam fixadas arbitrariamente pelo governo de plantão, seja ele qual for, ao longo de um prazo de 20 anos?
Coloco essa questão de outra forma: quem assumiria a responsabilidade de investir centenas de milhões de dólares em um negócio que, pelo período de 20 anos, o obriga a promover a universalização de serviços e a manter um padrão mínimo de qualidade, sem estar definida uma regra de correção dos preços de seus serviços? Agravando ainda mais esse quadro de insegurança, os serviços a serem prestados são essenciais e pesam de forma importante sobre o orçamento do cidadão.
Por outro lado, dado o caráter de monopólio natural desses serviços, a fixação das tarifas também não pode ficar a critério exclusivo do concessionário. Certamente ele exerceria seu poder monopolista para maximizar seus lucros em detrimento do consumidor. Portanto a indexação contratual a algum índice de preços é a única saída para a construção de serviços públicos consistentes.
Volto a este debate na próxima semana.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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