São Paulo, segunda, 14 de abril de 1997.

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LUÍS NASSIF
O maior desafio da imprensa

Recentemente, Clóvis Rossi mencionou um estudo sobre o Brasil, feito na Alemanha, com duas projeções. Nas próximas décadas, poderá ser uma das cinco potências emergentes do mundo. Mas esse futuro poderá ser comprometido pela corrupção e pela ausência de instituições eficientes.
O episódio dos precatórios revela, em toda sua extensão, esses riscos. Não há praticamente uma instituição pública (do governo ou do setor privado) que não saia chamuscada desse episódio.
Todos esses poderes têm enorme dificuldade em proceder a autocorreções de rumo. Dentre os quatro poderes, a imprensa -por suas próprias características- é a mais suscetível de mudanças. É o poder que mais se permite a autocrítica. Na mídia, mudanças de procedimento ocorrem a partir da mera deflagração de discussões -ao contrário dos demais poderes, cujas mudanças passam por processos regimentais, burocráticos ou legais, geralmente lentos.
Daí a importância institucional de se ter uma imprensa tecnicamente qualificada e criteriosa. Daí a importância da mídia se dar conta de que seu sucesso mercadológico está diretamente ligado a sua legitimação como um dos poderes empenhados em construir um país moderno.
Papel histórico
No fim dos anos 80, ocorreram golpes gigantescos no mercado de câmbio e em operações de conversão de dívida externa; golpes extraordinários foram aplicados contra o Tesouro, nos casos de liquidação extrajudicial; a maior parte do capital da Telebrás foi vendida a menos de um dólar a ação --cem vezes menos do que vale hoje.
Tudo isso ocorria pela incapacidade da imprensa de entender a complexidade dessas operações. Houvesse uma imprensa tecnicamente aparelhada, bilhões de dólares teriam sido economizados pelo país.
O episódio dos precatórios só provocará mudanças nos demais poderes se submetidos a pressões da imprensa. Não por meio do estilo atual -de levantar irrelevâncias com estardalhaço- mas entendendo a natureza dos problemas, sabendo trocar em miúdos para a opinião pública, identificando as pessoas que melhor estão pensando as mudanças.
Identificar claramente um problema ou um golpe é meio caminho andado para se encontrar a solução.
Ao longo da história, a imprensa brasileira teve alguns momentos de glória. Ajudou na campanha da Abolição e na Proclamação da República. Recentemente, ajudou a implantar as diretas e a derrubar um presidente.
Mas nenhum dos desafios se compara ao que se tem hoje: a possibilidade de interferir diretamente no aprimoramento das instituições e na construção de um país moderno.
No momento, não estamos preparados para isso. Praticamente não há especialistas em diplomacia, em comércio exterior, poucos especialistas em telecomunicações, quase nenhum especialista em saúde, raros estudiosos de orçamento.
É hora de se começar a rever esse estilo e a estimular nos jovens repórteres os verdadeiros valores da profissão: a especialização, o critério na apuração de notícias, o aprofundamento do tema, a capacidade de não tirar conclusões antes de ouvir todos os lados.
Ainda vamos construir uma imprensa à altura do atual momento histórico.
Torquemada queimado
1) O relatório que aprovou a emissão de precatórios pela Prefeitura de São Paulo foi conduzido pelo senador Espiridão Amin. 2) Agora surgem informações de telefonemas dados por Wagner Ramos ao comitê eleitoral de Ângela Amin, esposa de Espiridão. 3) Amin tem denotado uma flagrante ansiedade em consolidar a versão inicial da CPI, de restringir a operação a um espertalhão de mercado e quatro ou cinco técnicos da Prefeitura de São Paulo.
Como não sou um Torquemada da CPI -como o próprio Amin tem sido-, diria que não são provas conclusivas, mas indícios suficientes para o senador declarar-se impedido de continuar integrando a CPI, e oferecer seu sigilo telefônico e bancário.
Quanto muito, por uma questão de isonomia.


Email: lnassif@uol.com.br

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