São Paulo, segunda, 14 de abril de 1997.

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COMUNICAÇÃO & MERCADO
As guerras do automóvel (3)

HELCIO EMERICH

Ao contar a história da Fiat, o jornalista norte-americano Jonathan Mantle, autor de ``Car Wars'', o livro que vimos comentado nesta coluna, começa mostrando que o domínio que a empresa e a família Agnelli impuseram, desde o começo do século, ao mercado automobilístico da Itália, teve origem na fabricação de caminhões para o exército italiano durante a Primeira Guerra e em algumas vantajosas alianças fechadas com parceiros de outros países, entre os quais a Rússia.
Na Segunda Guerra, a empresa repetiu a dose, fornecendo veículos e componentes para as tropas de Mussolini. Gianni Agnelli, porém, o primeiro ``tycoon'' da Fiat, teve a chance de viver o conflito nos dois lados: ele serviu como oficial numa divisão de tanques da Itália, no ``front'' russo e, depois da derrocada do fascismo, se infiltrou como conselheiro para assuntos militares italianos junto ao 5º Exército dos EUA, que ocupava o país sob o comando do general Mark Clark.
Nessa função, Agnelli teria convencido o chefe do Serviço de Inteligência dos EUA, Allen Dulles, de que a Itália, pela sua posição estratégica e pelo baixo custo da mão-de-obra dos seus milhares de desempregados, poderia representar uma grande oportunidade para os negócios norte-americanos na Europa.
A partir daí a Fiat começou a intermediar pedidos de produtos e equipamentos feitos pelos alemães aos Aliados e a decidir quais dessas reivindicações deveriam ou não ser atendidas. Em troca, recebeu ajuda e proteção dos ex-inimigos, salvando, por exemplo, a pele do então vice-presidente da Fiat, o ``professore'' Vitorio Valleta, de um julgamento como criminoso de guerra (os ``partisans'' antifascistas italianos queriam a cabeça de Valletta, por ter sido um dos mais próximos colaboradores de Mussolini).
E os automóveis? Terminada a guerra e já com o patriarca Agnelli e seu filho falecidos, a Fiat iniciou para valer a produção do ``Cinquecento'' ou ``Topolino'', um minúsculo automóvel com 500 c.c., criado para ser a versão italiana do ``carro do povo'' e que desempenhou, na expansão da marca, o mesmo papel do Fusca na história da Volks.
A empresa era comandada por Valleta e pelo engenheiro Dante Giacosa, já que o presidente e herdeiro do império, o jovem Gianni, terceiro na dinastia dos Agnelli e um dos primeiros playboys da Europa, preferia dividir seu tempo entre palácios, cassinos e mulheres.
Depois de sofrer um grave acidente, o ``regente'', como Gianni era conhecido, casou-se com uma princesa napolitana, botou a cabeça no lugar, adotou o apelido de ``L'Avvocato'' e dedicou-se aos negócios da família.
De 1957 a 1976, a Fiat produziu 3,5 milhões de unidades do "Nuovo Cinquecento" e a empresa tornou-se sinônimo do milagre econômico da Itália.
O engenheiro Giacosa virou herói nacional e em 1962, o ex-colaborador de Mussolini, Vitório Valleta, foi recebido na Casa Branca, quando aconselhou o presidente Kennedy a prestar ajuda financeira ao Partido Socialista Italiano.


Helcio Emerich é jornalista, publicitário e vice-presidente da agência Almap/BBDO.

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