São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Falsas soluções para aumentar o salário mínimo

MAILSON DA NÓBREGA

Este ano, a demagogia no debate sobre o salário mínimo foi maior do que de costume. Nos efeitos sobre as finanças públicas, a desinformação continuou a mesma.
Poucos esperavam que a demagogia começasse no PFL, um partido que se diz comprometido com a idéia da austeridade na gestão dos recursos dos contribuintes.
Dificilmente os economistas do PFL, que sabem fazer conta, terão fornecido munição para o bombardeio populista. Não comentaram o assunto. Preferiram a moita. Quietos ficaram também parlamentares pefelistas que não acharam graça no circo.
Da oposição, já se esperava o debate de sempre. Um de seus membros, deputado pelo Rio Grande do Sul, tem nas propostas de grandes aumentos do salário mínimo uma fonte inesgotável de votos. É natural que S. Exª. continue cevando o rebanho.
Surpreenderam as barbaridades ditas por líderes da oposição, que tentaram justificar um salário mínimo de US$ 100 (moeda norte-americana, quem diria!). Para eles, há dinheiro para pagar esse mínimo.
O problema, disseram, é que o governo desvia recursos da seguridade social para os banqueiros. Qualquer principiante nos meandros das finanças públicas brasileiras sabe que a afirmação não resiste a dois minutos de argumento técnico sereno e coerente.
Prefiro outro velho argumento irrealista, aquele segundo o qual o mínimo pode subir caso se combata a sonegação. Parece sugerir que o governo prefere favorecer os sonegadores e prejudicar os pobres. A tese é ingênua e nunca pôde ser provada, mas pelo menos tem certo grau de pureza e uma aparência de verdade.
De parlamentares que não testam suas propostas se espera qualquer coisa. Não houve surpresa. Este ano, sugeriram uma saída altruísta: eles próprios renunciariam às suas emendas orçamentárias e o governo cortaria investimentos. A sobra, afirmaram, daria para pagar um mínimo de R$ 177.
Onde está o erro dos representantes do povo? Simples. O aumento do mínimo acima de R$ 151 se transforma em gasto permanente. Ou seja, as emendas e os investimentos deveriam desaparecer para sempre e não apenas no ano 2000. É viável?
Houve também quem dissesse que não bastava o ministro da Fazenda argumentar que a Previdência quebra toda vez que o mínimo é reajustado. Há mais de cinco anos ele repete isso, tempo mais que suficiente para a sua equipe encontrar alternativas.
Segundo essa tese, uma saída seria o presidente tirar verbas da supérflua máquina administrativa, do superfaturamento das obras dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos fundos sociais que nunca chegam aos pobres. Faz todo o sentido, não faz?
O problema é que essa solução não existe. A máquina administrativa não pode ser diminuída nem é permitido reduzir salários. Mesmo que tenha acabado a estabilidade dos servidores, ela, na prática, continua. São pouquíssimos os casos em que é possível demitir.
As obras de outros poderes chocam em muitos casos, mas não cabe ao presidente ditar sua conduta. As dotações constam no Orçamento e eles têm autonomia para usá-las. Se as desperdiçam, a solução cabe a outro departamento.
Houve época em que se cassava mandatos e se fechava o Congresso. O argumento era o mesmo: combate à corrupção e ao desperdício. Como se sabe, não deu certo.
Além disso, se a via autoritária fosse viável, não resolveria o problema. Não seria suficiente para bancar os bilhões adicionais de gastos. Ajudaria, mas não como se pensa.
Quanto aos fundos sociais, é certo que eles beneficiam mais os ricos e os burocratas do que os pobres. O problema é que esses fundos têm vícios de origem que exigiriam reformas constitucionais para mudá-los.
Aí chegamos à questão central. A rigidez dos gastos públicos, especialmente na Previdência, deriva em grande parte da Constituição de 1988. Os constituintes criaram privilégios abomináveis. Também criam benefícios justificáveis, mas insustentáveis.
O ministro Ornélas disse que a Previdência quebraria com qualquer mínimo. Isso é verdade desde 1988, quando o superávit iniciou sua trágica caminhada para se transformar em déficit (veja gráfico), o que foi empurrado também pelas mudanças demográficas.
Uma coisa é certa: o mínimo é pouco. Diferentemente do que muitos pensam, todavia, não existe solução à vista para o problema. Vai levar tempo. Muitos ministros da Fazenda continuarão repetindo o que disse Malan. A menos que prefiram o desastre.

PS: Recorrem geralmente ao insulto os arrogantes e os que perderam o argumento. Foi o que se viu nesta coluna ontem.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br


Texto Anterior: FMI ignora impacto positivo, diz Caramuru
Próximo Texto: Imposto de Renda: Veja como taxar e declarar aluguel
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.