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OPINIÃO ECONÔMICA
Como cooperar sem cartelizar
GESNER OLIVEIRA
A formação de cartel constitui grave infração à ordem
econômica. Em uma economia
de mercado, pressupõe-se que os
concorrentes disputem, sem marmelada, a preferência do consumidor. No entanto há diversas
circunstâncias nas quais a cooperação entre as empresas é benéfica à própria concorrência. A
identificação de tais condições
evita problemas de toda ordem,
inclusive multas pesadas.
Os economistas sempre foram
céticos em relação às motivações
de eventuais reuniões de empresários do mesmo setor. Adam
Smith afirmou, em sua obra clássica de 1776, a "Riqueza das Nações", que "as pessoas da mesma
área de negócios raramente se
encontram, mesmo para entretenimento e diversão, mas a conversa sempre termina em conspiração contra o público ou em algum esquema para elevar os preços".
A economia moderna exige,
contudo, diferentes formas de
cooperação entre concorrentes.
Isso porque aumentou o grau de
interdependência entre as diferentes unidades produtoras. Assim, por exemplo, empresas de alta tecnologia podem fazer um
acordo para desenvolver um novo processo ou produto; agricultores de uma região colaboram
na erradicação de uma praga; pecuaristas adotam medidas de forma coordenada para combater
uma doença, como a febre aftosa;
fornecedores acordam em relação a um padrão técnico necessário para atender clientes em escala global e assim por diante. Em
situações desse tipo, as associações setoriais exercem papel importante na organização das empresas individuais.
Não ocorreria a ninguém punir
indivíduos, empresas ou associações setoriais por promover ações
dessa natureza. Mas como distinguir a cooperação lícita da infração antitruste? Em diversas jurisdições, as autoridades são explícitas a esse respeito, orientando os
agentes com manuais. Um exemplo interessante nesse sentido é o
do manual dos órgãos federais de
defesa da concorrência dos EUA,
o "Antitrust Guidelines for Collaborations Among Competitors",
disponível na internet no site
www.ftc.gov.
Embora ainda não exista um
manual desse tipo no Brasil, pelo
menos três diretrizes podem ajudar. Em primeiro lugar, não há
que supor dano à concorrência se
as empresas que estão cooperando, organizadas ou não por meio
de uma associação, não possuem
poder de mercado, isto é, não
conseguem influenciar os preços e
as quantidades vendidas. Assim,
pequenas empresas podem eventualmente formar uma rede para
efetuar compras conjuntas sem
necessariamente prejudicar o
mercado.
Em segundo lugar, convém verificar se o objeto da cooperação
poderia induzir ou facilitar a formação de um cartel. Por exemplo, a troca de informações sobre
preços e quantidades vendidas
pela firma individual em cada região não é normalmente permitida. Já a elaboração de informações agregadas sobre um determinado setor que permitam uma
análise sobre seu desempenho
constitui prática normal.
Em terceiro lugar, a lei 8.884/94
(lei antitruste) é clara ao proibir
práticas que venham a "influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes". Assim, a declaração do presidente de uma associação setorial de que os produtos
fabricados por seus associados
deveriam ser reajustados em 5%
ou 10% estaria sujeita à acusação
de estímulo à formação de cartel.
Conforme mencionado antes,
as multas por prática de cartel
podem ser elevadas, e as autoridades estão, corretamente, cada
vez mais atentas a esse tipo de ilícito na maioria das jurisdições,
inclusive no Brasil. No caso de
empresas, a multa pode chegar a
30% de seu faturamento; os administradores, direta ou indiretamente responsáveis pela infração cometida, estão sujeitos a valores de até 50% da multa paga
pela empresa; e as associações poderão pagar multas de até 6 milhões de Ufirs. Note-se ainda que
os montantes mencionados são
dobrados em caso de reincidência.
Cooperação e concorrência entre as empresas estão fortemente
associados nas economias modernas. Os setores público e privado devem permanecer atentos às
circunstâncias em que ambos devem ser mantidos separados para
evitar que o esforço cooperativo
aniquile a livre concorrência.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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