São Paulo, sábado, 14 de abril de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Como cooperar sem cartelizar

GESNER OLIVEIRA A formação de cartel constitui grave infração à ordem econômica. Em uma economia de mercado, pressupõe-se que os concorrentes disputem, sem marmelada, a preferência do consumidor. No entanto há diversas circunstâncias nas quais a cooperação entre as empresas é benéfica à própria concorrência. A identificação de tais condições evita problemas de toda ordem, inclusive multas pesadas.
Os economistas sempre foram céticos em relação às motivações de eventuais reuniões de empresários do mesmo setor. Adam Smith afirmou, em sua obra clássica de 1776, a "Riqueza das Nações", que "as pessoas da mesma área de negócios raramente se encontram, mesmo para entretenimento e diversão, mas a conversa sempre termina em conspiração contra o público ou em algum esquema para elevar os preços".
A economia moderna exige, contudo, diferentes formas de cooperação entre concorrentes. Isso porque aumentou o grau de interdependência entre as diferentes unidades produtoras. Assim, por exemplo, empresas de alta tecnologia podem fazer um acordo para desenvolver um novo processo ou produto; agricultores de uma região colaboram na erradicação de uma praga; pecuaristas adotam medidas de forma coordenada para combater uma doença, como a febre aftosa; fornecedores acordam em relação a um padrão técnico necessário para atender clientes em escala global e assim por diante. Em situações desse tipo, as associações setoriais exercem papel importante na organização das empresas individuais.
Não ocorreria a ninguém punir indivíduos, empresas ou associações setoriais por promover ações dessa natureza. Mas como distinguir a cooperação lícita da infração antitruste? Em diversas jurisdições, as autoridades são explícitas a esse respeito, orientando os agentes com manuais. Um exemplo interessante nesse sentido é o do manual dos órgãos federais de defesa da concorrência dos EUA, o "Antitrust Guidelines for Collaborations Among Competitors", disponível na internet no site www.ftc.gov.
Embora ainda não exista um manual desse tipo no Brasil, pelo menos três diretrizes podem ajudar. Em primeiro lugar, não há que supor dano à concorrência se as empresas que estão cooperando, organizadas ou não por meio de uma associação, não possuem poder de mercado, isto é, não conseguem influenciar os preços e as quantidades vendidas. Assim, pequenas empresas podem eventualmente formar uma rede para efetuar compras conjuntas sem necessariamente prejudicar o mercado.
Em segundo lugar, convém verificar se o objeto da cooperação poderia induzir ou facilitar a formação de um cartel. Por exemplo, a troca de informações sobre preços e quantidades vendidas pela firma individual em cada região não é normalmente permitida. Já a elaboração de informações agregadas sobre um determinado setor que permitam uma análise sobre seu desempenho constitui prática normal.
Em terceiro lugar, a lei 8.884/94 (lei antitruste) é clara ao proibir práticas que venham a "influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes". Assim, a declaração do presidente de uma associação setorial de que os produtos fabricados por seus associados deveriam ser reajustados em 5% ou 10% estaria sujeita à acusação de estímulo à formação de cartel.
Conforme mencionado antes, as multas por prática de cartel podem ser elevadas, e as autoridades estão, corretamente, cada vez mais atentas a esse tipo de ilícito na maioria das jurisdições, inclusive no Brasil. No caso de empresas, a multa pode chegar a 30% de seu faturamento; os administradores, direta ou indiretamente responsáveis pela infração cometida, estão sujeitos a valores de até 50% da multa paga pela empresa; e as associações poderão pagar multas de até 6 milhões de Ufirs. Note-se ainda que os montantes mencionados são dobrados em caso de reincidência.
Cooperação e concorrência entre as empresas estão fortemente associados nas economias modernas. Os setores público e privado devem permanecer atentos às circunstâncias em que ambos devem ser mantidos separados para evitar que o esforço cooperativo aniquile a livre concorrência.


Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br



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