|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMÉRCIO EXTERIOR
Negociação deverá incluir cotas maiores para produtos agrícolas do Cone Sul no mercado europeu
Mercosul oferece acesso privilegiado à UE
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
O Mercosul vai oferecer à União
Européia, em reunião na sexta,
acesso privilegiado a seu mercado
nas áreas de serviços e investimentos, na expectativa de que os
europeus também façam oferta
significativa no setor agrícola.
A oferta do Mercosul contempla, como pediram os europeus,
os setores financeiro e de telecomunicações. Mas, por questão de
cortesia, os detalhes da oferta só
serão divulgados na sexta, quando representantes dos dois lados
manterão breve reunião em Bruxelas para a troca de papéis.
Depois, os dois blocos terão
duas semanas para analisar as
ofertas, até a reunião, dia 3 de
maio, do CNB (Comitê de Negociações Bilaterais, principal organismo técnico da negociação Europa/Mercosul). Será nessa nova
reunião que as duas partes dirão
se será possível anunciar a perspectiva de conclusão de um acordo de Associação Inter-Regional
já na cúpula União Européia/América Latina-Caribe marcada
para 28 de maio em Guadalajara
(México).
O anúncio, se puder ser feito,
preverá a conclusão do acordo em
outubro, quando os dois blocos
farão uma reunião ministerial, a
principal instância política, para
assinar o documento final.
Se os detalhes das ofertas de sexta-feira não estão disponíveis, os
conceitos que as embasam já são
conhecidos. O Mercosul oferecerá
aos europeus o que o jargão diplomático batiza de Gats-plus.
Traduzindo: a Europa terá vantagens superiores às que o Mercosul oferece a seus demais parceiros no âmbito do Gats (Acordo
Geral sobre o Comércio de Serviços). Vale idêntico conceito para a
área de investimentos, mas apenas em matéria de acesso ao mercado, não em termos de proteção.
Vertentes
Do lado europeu, a promessa de
abertura agrícola tem duas vertentes: nos produtos que os europeus consideram sensíveis, serão
oferecidas cotas mais generosas.
Ou seja, o Mercosul poderá exportar um volume maior de determinados bens agrícolas com
tarifas baixas ou nulas. Acima
dessa cota, os produtos do Sul
continuariam batendo no alto
muro protecionista europeu.
A segunda vertente é o que vem
sendo chamado de "duas etapas".
Na primeira, os europeus abrem
uma certa parte de seu mercado
já, mas deixam o restante na dependência do que vier a ser acertado no âmbito global, ou seja, na
chamada Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.
Exemplo concreto: se a UE tiver
necessidade de importar 100 toneladas de carne, reservará desde
já 30 toneladas, por hipótese, para
o Mercosul. As outras 70 ficariam
para os demais países-membros
da OMC, mas com a perspectiva
de um montante adicional para o
Mercosul.
"É um plano astucioso, ao lançar uma isca bastante apetitosa",
diz José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil junto à União
Européia e um dos mais experientes negociadores brasileiros.
Por que isca? Porque de certa
forma torna o Mercosul aliado
dos europeus nas negociações
globais, em que os dois blocos
têm colidido freqüentemente,
porque ganha uma garantia prévia de que será beneficiado pelas
concessões européias.
A perspectiva de ofertas melhoradas a serem apresentadas na
sexta-feira conferiu à negociação
Mercosul/UE um ambiente de
otimismo ausente das duas outras
grandes negociações em que está
envolvido o Brasil (e, com ele, o
Mercosul). Nem a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas)
nem a Rodada Doha têm dado sinais de avanços.
Graça Lima reconhece que há
otimismo, "tanto do lado político
como do lado técnico", avaliação
que coincide com a de Karl Falkenberg, diretor de acordos de livre comércio da UE. "Do lado do
Mercosul, parece haver um desejo
real de avançar nessas negociações, como há de parte da União
Européia", diz Falkenberg.
Mas o otimismo não impede a
cautela. O Mercosul melhorará
também a sua oferta na área de
bens, além de serviços e investimentos. Reduzirá o número de
itens que a redução tarifária levará dez anos a partir da conclusão
dos entendimentos.
Mas a oferta ficará condicionada ao que a Europa vier a oferecer
na segunda fase de sua abertura
agrícola, ou seja, depois das negociações na OMC.
"Não podemos entregar tudo à
vista para receber em duas prestações", diz Regis Arslanian, negociador brasileiro tanto na Alca como com a União Européia.
Arslanian faz questão de deixar
claro que, do lado Mercosul, a disposição liberalizante não se limita
à Europa, mas se estende à Alca.
"Existe disponibilidade política
para fazer o mesmo na Alca", diz
o diplomata, com a óbvia ressalva
de que, na negociação nas Américas, a palavra está com os EUA,
que têm se recusado a discutir
acesso a mercado, o jargão para
derrubar tarifas de importação.
Mas a recusa dos EUA não inibe
as iniciativas da diplomacia brasileira em insistir na questão.
Carta aos EUA
Na semana passada, o ministro
das Relações Exteriores, Celso
Amorim, enviou uma carta para o
representante do governo americano para o comércio, Robert
Zoellick. No texto, o ministro brasileiro pediu a retomada das discussões de acesso a mercado.
"A Alca é a nossa maior possibilidade de ter mais acesso ao mercado americano. Ela não pode
morrer", disse Arslanian ontem
em encontro com empresários do
setor elétrico em São Paulo.
Acesso a mercado é também a
chave da reunião de sexta com os
europeus.
Mas, de acordo com Arslanian,
nas negociações entre Mercosul e
UE as discussões sobre o tema já
estão mais avançadas e mesmo
café solúvel e óleo de soja -de
grande interesse do Brasil- já
podem entrar na oferta européia
desta sexta. Apesar do otimismo,
ele demostrou alguma preocupação. "Eles [os europeus] deixaram
claro que, se tiveram que fazer
muitas concessões durante a Rodada de Doha, vai sobrar pouco
para o Brasil", disse.
Colaborou Cíntia Cardoso,
da Reportagem Local
Texto Anterior: Empresas pedem PIS/Cofins menor Próximo Texto: Mercado financeiro: Temor de alta do juro nos EUA faz Bolsa cair Índice
|