São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Negociação deverá incluir cotas maiores para produtos agrícolas do Cone Sul no mercado europeu

Mercosul oferece acesso privilegiado à UE

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

O Mercosul vai oferecer à União Européia, em reunião na sexta, acesso privilegiado a seu mercado nas áreas de serviços e investimentos, na expectativa de que os europeus também façam oferta significativa no setor agrícola.
A oferta do Mercosul contempla, como pediram os europeus, os setores financeiro e de telecomunicações. Mas, por questão de cortesia, os detalhes da oferta só serão divulgados na sexta, quando representantes dos dois lados manterão breve reunião em Bruxelas para a troca de papéis.
Depois, os dois blocos terão duas semanas para analisar as ofertas, até a reunião, dia 3 de maio, do CNB (Comitê de Negociações Bilaterais, principal organismo técnico da negociação Europa/Mercosul). Será nessa nova reunião que as duas partes dirão se será possível anunciar a perspectiva de conclusão de um acordo de Associação Inter-Regional já na cúpula União Européia/América Latina-Caribe marcada para 28 de maio em Guadalajara (México).
O anúncio, se puder ser feito, preverá a conclusão do acordo em outubro, quando os dois blocos farão uma reunião ministerial, a principal instância política, para assinar o documento final.
Se os detalhes das ofertas de sexta-feira não estão disponíveis, os conceitos que as embasam já são conhecidos. O Mercosul oferecerá aos europeus o que o jargão diplomático batiza de Gats-plus.
Traduzindo: a Europa terá vantagens superiores às que o Mercosul oferece a seus demais parceiros no âmbito do Gats (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços). Vale idêntico conceito para a área de investimentos, mas apenas em matéria de acesso ao mercado, não em termos de proteção.

Vertentes
Do lado europeu, a promessa de abertura agrícola tem duas vertentes: nos produtos que os europeus consideram sensíveis, serão oferecidas cotas mais generosas. Ou seja, o Mercosul poderá exportar um volume maior de determinados bens agrícolas com tarifas baixas ou nulas. Acima dessa cota, os produtos do Sul continuariam batendo no alto muro protecionista europeu.
A segunda vertente é o que vem sendo chamado de "duas etapas". Na primeira, os europeus abrem uma certa parte de seu mercado já, mas deixam o restante na dependência do que vier a ser acertado no âmbito global, ou seja, na chamada Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.
Exemplo concreto: se a UE tiver necessidade de importar 100 toneladas de carne, reservará desde já 30 toneladas, por hipótese, para o Mercosul. As outras 70 ficariam para os demais países-membros da OMC, mas com a perspectiva de um montante adicional para o Mercosul.
"É um plano astucioso, ao lançar uma isca bastante apetitosa", diz José Alfredo Graça Lima, embaixador do Brasil junto à União Européia e um dos mais experientes negociadores brasileiros.
Por que isca? Porque de certa forma torna o Mercosul aliado dos europeus nas negociações globais, em que os dois blocos têm colidido freqüentemente, porque ganha uma garantia prévia de que será beneficiado pelas concessões européias.
A perspectiva de ofertas melhoradas a serem apresentadas na sexta-feira conferiu à negociação Mercosul/UE um ambiente de otimismo ausente das duas outras grandes negociações em que está envolvido o Brasil (e, com ele, o Mercosul). Nem a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) nem a Rodada Doha têm dado sinais de avanços.
Graça Lima reconhece que há otimismo, "tanto do lado político como do lado técnico", avaliação que coincide com a de Karl Falkenberg, diretor de acordos de livre comércio da UE. "Do lado do Mercosul, parece haver um desejo real de avançar nessas negociações, como há de parte da União Européia", diz Falkenberg.
Mas o otimismo não impede a cautela. O Mercosul melhorará também a sua oferta na área de bens, além de serviços e investimentos. Reduzirá o número de itens que a redução tarifária levará dez anos a partir da conclusão dos entendimentos.
Mas a oferta ficará condicionada ao que a Europa vier a oferecer na segunda fase de sua abertura agrícola, ou seja, depois das negociações na OMC.
"Não podemos entregar tudo à vista para receber em duas prestações", diz Regis Arslanian, negociador brasileiro tanto na Alca como com a União Européia.
Arslanian faz questão de deixar claro que, do lado Mercosul, a disposição liberalizante não se limita à Europa, mas se estende à Alca. "Existe disponibilidade política para fazer o mesmo na Alca", diz o diplomata, com a óbvia ressalva de que, na negociação nas Américas, a palavra está com os EUA, que têm se recusado a discutir acesso a mercado, o jargão para derrubar tarifas de importação.
Mas a recusa dos EUA não inibe as iniciativas da diplomacia brasileira em insistir na questão.

Carta aos EUA
Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, enviou uma carta para o representante do governo americano para o comércio, Robert Zoellick. No texto, o ministro brasileiro pediu a retomada das discussões de acesso a mercado.
"A Alca é a nossa maior possibilidade de ter mais acesso ao mercado americano. Ela não pode morrer", disse Arslanian ontem em encontro com empresários do setor elétrico em São Paulo.
Acesso a mercado é também a chave da reunião de sexta com os europeus.
Mas, de acordo com Arslanian, nas negociações entre Mercosul e UE as discussões sobre o tema já estão mais avançadas e mesmo café solúvel e óleo de soja -de grande interesse do Brasil- já podem entrar na oferta européia desta sexta. Apesar do otimismo, ele demostrou alguma preocupação. "Eles [os europeus] deixaram claro que, se tiveram que fazer muitas concessões durante a Rodada de Doha, vai sobrar pouco para o Brasil", disse.


Colaborou Cíntia Cardoso, da Reportagem Local

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