São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRABALHO
Auditoria do TCU questiona metas, beneficiários e resultados do programa de combate ao desemprego do governo
Tribunal vê desvio e ineficiência no FAT

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Desempregados e trabalhadores ameaçados de perder seus empregos representam menos da metade das matrículas em cursos de qualificação profissional promovidos com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Tais cursos estão entre os mais importantes programas sociais do governo e se propõem a combater o desemprego. O FAT é um fundo composto de contribuições das empresas.
A quarta parte dos beneficiários dos cursos de qualificação é de trabalhadores com carteira assinada, constatou auditoria feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União), num dos vários sinais de desvio no perfil da clientela do programa. Sua eficiência é considerada duvidosa pelos auditores.
O Planfor (Plano Nacional de Qualificação Profissional) deverá investir neste ano R$ 502 milhões. O Orçamento da União para 2000 destina a maior parcela desse dinheiro à qualificação de micro e pequenos empreendedores e não de desocupados.
Trata-se de um sinal de que o desvio de foco criticado pelo TCU e reconhecido recentemente pelo governo federal pode persistir.
Os problemas no Planfor não param aí. Eles começam, aliás, nas principais metas definidas pelo governo, diagnosticam os auditores do TCU.
Ao pretender treinar 20% dos brasileiros acima de 14 anos - a chamada PEA (População Economicamente Ativa)-, o plano dá mais importância à quantidade de matrículas do que à qualidade do treinamento e à sua eficiência no combate ao desemprego.
Segundo o governo, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso teriam sido treinados 5,7 milhões de pessoas, superando as metas oficiais.
O programa consumiu mais de R$ 1 bilhão nesses quatro anos. Mas não há, nesse período, nenhum acompanhamento do grau de sucesso do programa - a verificação de quantas pessoas treinadas teriam conseguido uma vaga no mercado de trabalho.
""Fomos informados (pelo Ministério do Trabalho) de que levavam em conta até mesmo o efeito psicológico da conclusão do curso, elevando o moral dos participantes e aumentando sua produtividade, mesmo que nenhum outro benefício fosse obtido ou que a área de trabalho não se relacionasse com o curso. Consideramos inaceitável o argumento", relata a auditoria.
""A meta deveria incentivar a qualidade e não a quantidade", insiste o relatório, aprovado pelos ministros do tribunal e transformado em recomendação ao governo no mês passado.
Como as análises de desempenho do Planfor feitas pelos auditores do TCU basearam-se em grande parte nos dados fornecidos pelos parceiros do Ministério do Trabalho na execução do plano, elas não contabilizaram supostas matrículas fictícias, nem as pessoas que se inscreveram mas não chegaram a concluir os cursos de qualificação.
Indícios de irregularidades na aplicação de recursos do FAT foram detectados em levantamentos preliminares feitos no Distrito Federal, na Paraíba, no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Um dos exemplos de desvio de foco do Planfor listados pela auditoria ocorreu no convênio do governo federal com a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) -a entidade privada que mais recebeu recursos do FAT para qualificação profissional em 1998 (R$ 14,6 milhões).
A Fiesp aplicou a maior parte do dinheiro no Telecurso 2000, promovido pela Fundação Roberto Marinho. Para o TCU, foi um caso de duplo desvio de foco do Planfor: a maioria dos treinados (66%) já estava empregada e, além disso, o programa tenta suprir deficiências de educação básica dos trabalhadores e não promover educação profissional.
Outro detalhe registrado pelos auditores: nas informações prestadas sobre os cursos, a Fiesp informou que o número de homens treinados era de 6.829,6 -alguém deve ter sido treinado pela metade. A Fiesp também gastou quase R$ 1 milhão num congresso sobre educação profissional, ao custo de R$ 760 por participante.
Fernando Carvalho, assessor da Fiesp para os projetos ligados ao Telecurso 2000, contesta as conclusões do TCU. "Se há um problema, é no enfoque dado pelo auditor. Estamos amparados no no Codefat (resolução nº 194 de 23 de setembro de 1998), que diz que o Planfor também se destina, no que se refere às parcerias, à elevação da escolaridade", diz.
"O aumento da escolaridade é para manter o profissional no emprego. É dessa forma que utilizamos o Telecurso 2000", prossegue Carvalho. "Se formos notificados dessas possíveis irregularidades, temos a nossa defesa."
Entre as principais linhas de treinamento dos convênios feitos para a execução do Planfor por governos estaduais, o TCU também considerou distorcido o programa destinado a servidores da administração pública. ""Esses cursos são voltados a funcionários públicos estáveis, que não estão em processo de demissão", registraram os auditores.

Distribuição
O relatório do TCU aponta distorções também na distribuição de recursos do FAT entre os Estados. O repasse do dinheiro foi vinculado não à quantidade de desempregados em cada Estado, mas à capacidade de os governos estaduais aplicarem os recursos.
Embora São Paulo lidere a lista em volume de gastos, o investimento é baixo se comparado ao número de desocupados que procuravam emprego no Estado. Enquanto em São Paulo o investimento por desocupado não atingiu R$ 17, no Distrito Federal ele chegou a R$ 223,51 por desocupado.


Texto Anterior: Análise: Para banqueiros, governo é culpado pela lentidão da venda do Banespa
Próximo Texto: FHC admite distorção e promete rigor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.