São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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COMÉRCIO

Rodada Doha não deve sair no prazo, mas países mantêm "balé" de reuniões

OMC tenta avançar nas negociações

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Talvez por não ser a sua praia, o ministro da Educação do Chile, Sérgio Bittar, produziu ontem a melhor avaliação do estágio em que se encontram as negociações comerciais globais:
"Todo mundo sabe que a data de 2005 [para fechar a negociação] não será alcançada, mas, se for anunciada uma nova data, a negociação pára imediatamente", disse Bittar à Folha ao sair da Embaixada do Brasil em Paris, na qual participara de reunião do G20, o grupo de países em desenvolvimento que luta para derrubar o protecionismo agrícola dos países ricos.
Exatamente pela situação descrita por Bittar, os países-membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) mantêm o balé de reuniões de negociação, uma após a outra.
Hoje, em Paris, é dia de outra miniministerial, envolvendo cerca de 30 países.
É verdade que, para o encontro de hoje, há uma dose algo maior de otimismo, devido à carta divulgada na segunda-feira pela União Européia na qual anunciou que elimina seus subsídios à exportação de produtos agrícolas, desde que seus parceiros na OMC também adotem a sua própria cota de liberalização comercial -e não só na agricultura.

Novo e bom
Mas o otimismo é matizado, por exemplo, por Martín Redrado, o vice-chanceler argentino e um dos mais importantes negociadores do Mercosul:
"O que é bom [na carta da União Européia] não é novo; o que é novo não é bom".
O bom -a eliminação dos subsídios à exportação- estava, de fato, previsto desde a reunião da OMC ocorrida em Doha, na qual foi lançada a atual rodada de negociações.
O ruim, segundo Redrado, é a tentativa de dividir os países em desenvolvimento, ao oferecer aos mais pobres "uma rodada grátis" (sem liberalização adicional), mas cobrando abertura dos algo menos pobres.
Mesmo um otimista profissional como Robert Zoellick, negociador-chefe dos Estados Unidos, deixa claro que as chances de conseguir cumprir os prazos da Rodada Doha são reduzidas.
"Acredito que as chances [de atingir um acordo] sejam de algo mais de 50%, mas ainda há uma série de importantes temas a discutir", disse em Paris.
Mesmo a carta dos comissários europeus Pascal Lamy (Comércio) e Franz Fischler (Agricultura) que deu um novo ânimo à negociação trabalha com um prazo mais extenso para Doha, ao afirmar que o documento "mostra que estamos prontos a dar um passo extra para assegurar que se concluam 50% da rodada em 2004".
Ou seja, ainda que a oferta européia seja aceita por todos e que os demais parceiros façam as concessões que os europeus pedem, a rodada chegaria ao prazo fatal com apenas a metade do trabalho concluído.

Probabilidades
Quais as chances de, na reunião de hoje, se avançar rumo ao menos os 50%?
Não parecem muitas, porque as exigências permanecem as mesmas desde Doha, há dois anos e meio.
O G20, por exemplo, segundo o chileno Bittar, quer que os europeus aceitem reduzir seus subsídios agrícolas sem "uma exigência rígida de acesso a mercado" (dos países em desenvolvimento).
Se os europeus aceitarem, "o G20 estaria disposto a ser mais flexível", relata Bittar.
A firmeza com que os europeus cobram abertura que compense o seu lance agrícola indica que esse tipo de barganha não está à vista.
Os Estados Unidos, por sua vez, ao mesmo tempo em que aceitam a proposta européia, cobram também movimento tanto do Japão (ainda mais protecionista na agricultura) como do G20, que, segundo Zoellick, é ágil em rejeitar as propostas de redução tarifária dos países ricos, mas não consegue apresentar sua própria alternativa.
Nesse ponto tem razão, tanto que o G20 na reunião de ontem decidiu preparar uma proposta para a redução de tarifas não-agrícolas, ao julgar que o modelo defendido por Estados Unidos e Europa "está morto", como afirma o chanceler brasileiro Celso Amorim.
Mas a proposta alternativa não estará pronta para o novo balé de hoje em Paris.


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