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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Agenda interditada e anacrônica

GESNER OLIVEIRA

O país carece de uma agenda de desenvolvimento. Na ausência de um cardápio oficial completo, é natural que surjam receitas diversas, oriundas do próprio campo da situação, ainda que em flagrante oposição ao discurso do governo.
Esse é o caso do manifesto de economistas simpatizantes do PT, organizado pelo professor Plínio de Arruda Sampaio Jr., divulgado na íntegra pela imprensa ontem sob o título de "Agenda Interditada - Uma Alternativa de Prosperidade para o Brasil", que deverá ser lançado oficialmente na segunda.
O documento retoma a ênfase do programa de ruptura que o PT tinha até pouco antes das eleições e que felizmente foi abandonado depois da posse. O problema é que não há uma estratégia global e harmônica em seu lugar.
O bom técnico de futebol descobre logo que há certas peças que não podem ser mexidas individualmente, sob pena de comprometer o conjunto. O Parreira, por exemplo, acertou em cheio ao usar o tripé Ricardinho, Kléber e Gil para ganhar o jogo contra a Nigéria na última quarta-feira, que muito comentarista de renome considerava perdido. Uma peça isolada não resolve o problema, como tem revelado a até agora malsucedida contratação de Ricardinho pelo São Paulo.
Seria um desastre romper com o tripé da política econômica aplicado desde 1999: o câmbio flutuante, a austeridade fiscal e o regime de metas inflacionárias. Mas é evidente que há espaço para a imaginação. Afinal de contas, não será possível deixar o Alex no banco com o futebol que ele está jogando no Cruzeiro, campeão com méritos da Copa do Brasil na quarta. Mas, se violar o tripé básico, o Brasil volta a jogar mal no futebol e perde feio na economia.
A agenda interditada abandona a política fiscal austera ao preconizar a elevação de gastos nos três níveis de governo e a redução do superávit primário. A recomendação do texto amplia as necessidades de financiamento público, aumentando a pressão pela elevação da taxa de juros. Isso vai na contramão daquilo que desejam os signatários do manifesto, o vice-presidente e a torcida do vice-campeão Flamengo: a redução do custo do dinheiro.
Na mesma direção, o abandono da responsabilidade fiscal eleva o prêmio de risco, que pressiona o câmbio, a inflação e a própria taxa de juros de mercado. Em substituição ao regime de metas inflacionárias, o documento prescreve uma redução significativa da taxa primária de juros, substituindo o combate antiinflacionário via taxa de juros pelo acordo de preços.
Como o pacto de preços nunca funcionou a contento para debelar a inflação no Brasil, as expectativas inflacionárias aumentariam rapidamente, fazendo retornar o fantasma da superinflação. Como sempre ocorre nesses casos, quem paga o pato são os trabalhadores e os produtores com menor poder de mercado, cujos rendimentos reais são rapidamente corroídos pela espiral de preços, abortando a possibilidade de retomada da economia no segundo semestre.
Nesse contexto, a própria taxa de câmbio acabaria perdendo a corrida para os preços, frustrando a intenção de estimular as exportações. O controle do fluxo de capitais e a administração do câmbio representariam, nesse quadro, o tiro de misericórdia, afugentando o investidor externo e impondo nova goleada à Nigéria. Só que dessa vez em termos de risco-país! A crise do segundo semestre de 2002 seria pouco perto do potencial desestabilizador da agenda interditada.
Em outubro de 1982, portanto há 21 anos, assinei um documento com outros economistas, entre eles meu amigo Plinio Sampaio Jr., chamado "O PT e a Economia", que viria a ser o primeiro projeto de programa econômico do PT. Relendo o texto, verifico a ingenuidade daquele documento, ainda assim menos voluntarista do que a agenda interditada. Isso em um momento em que o grau de globalização dos mercados era significativamente menor.
Mas a agenda interditada tem méritos. A preocupação com as exportações e com os investimentos em infra-estrutura é correta. O bom desempenho dessas variáveis não ocorre espontaneamente, como mera decorrência de uma melhora do ambiente econômico. Para que aumente a inversão produtiva, são necessários sinais de rentabilidade estável para o comércio exterior e uma regulação adequada com segurança jurídica. Tais características estão ausentes da agenda oficial de política econômica.

Tropeço eletrônico
O artigo publicado nesta coluna no sábado passado, "Quando começa o espetáculo do crescimento?", era uma versão antiga e não-revisada. Lamentavelmente, mandei o arquivo errado. O leitor pode encontrar a versão correta, como de resto todos os artigos desta coluna, em www. gesneroliveira.com.br/.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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