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OPINIÃO ECONÔMICA
Agenda interditada e anacrônica
GESNER OLIVEIRA
O país carece de uma agenda
de desenvolvimento. Na ausência de um cardápio oficial
completo, é natural que surjam
receitas diversas, oriundas do
próprio campo da situação, ainda
que em flagrante oposição ao discurso do governo.
Esse é o caso do manifesto de
economistas simpatizantes do PT,
organizado pelo professor Plínio
de Arruda Sampaio Jr., divulgado
na íntegra pela imprensa ontem
sob o título de "Agenda Interditada - Uma Alternativa de Prosperidade para o Brasil", que deverá
ser lançado oficialmente na segunda.
O documento retoma a ênfase
do programa de ruptura que o PT
tinha até pouco antes das eleições
e que felizmente foi abandonado
depois da posse. O problema é que
não há uma estratégia global e
harmônica em seu lugar.
O bom técnico de futebol descobre logo que há certas peças que
não podem ser mexidas individualmente, sob pena de comprometer o conjunto. O Parreira, por
exemplo, acertou em cheio ao
usar o tripé Ricardinho, Kléber e
Gil para ganhar o jogo contra a
Nigéria na última quarta-feira,
que muito comentarista de renome considerava perdido. Uma peça isolada não resolve o problema, como tem revelado a até agora malsucedida contratação de
Ricardinho pelo São Paulo.
Seria um desastre romper com o
tripé da política econômica aplicado desde 1999: o câmbio flutuante, a austeridade fiscal e o regime de metas inflacionárias.
Mas é evidente que há espaço para a imaginação. Afinal de contas, não será possível deixar o
Alex no banco com o futebol que
ele está jogando no Cruzeiro,
campeão com méritos da Copa do
Brasil na quarta. Mas, se violar o
tripé básico, o Brasil volta a jogar
mal no futebol e perde feio na economia.
A agenda interditada abandona a política fiscal austera ao preconizar a elevação de gastos nos
três níveis de governo e a redução
do superávit primário. A recomendação do texto amplia as necessidades de financiamento público, aumentando a pressão pela
elevação da taxa de juros. Isso vai
na contramão daquilo que desejam os signatários do manifesto, o
vice-presidente e a torcida do vice-campeão Flamengo: a redução
do custo do dinheiro.
Na mesma direção, o abandono
da responsabilidade fiscal eleva o
prêmio de risco, que pressiona o
câmbio, a inflação e a própria taxa de juros de mercado. Em substituição ao regime de metas inflacionárias, o documento prescreve
uma redução significativa da taxa primária de juros, substituindo o combate antiinflacionário
via taxa de juros pelo acordo de
preços.
Como o pacto de preços nunca
funcionou a contento para debelar a inflação no Brasil, as expectativas inflacionárias aumentariam rapidamente, fazendo retornar o fantasma da superinflação.
Como sempre ocorre nesses casos,
quem paga o pato são os trabalhadores e os produtores com menor poder de mercado, cujos rendimentos reais são rapidamente
corroídos pela espiral de preços,
abortando a possibilidade de retomada da economia no segundo
semestre.
Nesse contexto, a própria taxa
de câmbio acabaria perdendo a
corrida para os preços, frustrando
a intenção de estimular as exportações. O controle do fluxo de capitais e a administração do câmbio representariam, nesse quadro,
o tiro de misericórdia, afugentando o investidor externo e impondo nova goleada à Nigéria. Só que
dessa vez em termos de risco-país!
A crise do segundo semestre de
2002 seria pouco perto do potencial desestabilizador da agenda
interditada.
Em outubro de 1982, portanto
há 21 anos, assinei um documento com outros economistas, entre
eles meu amigo Plinio Sampaio
Jr., chamado "O PT e a Economia", que viria a ser o primeiro
projeto de programa econômico
do PT. Relendo o texto, verifico a
ingenuidade daquele documento,
ainda assim menos voluntarista
do que a agenda interditada. Isso
em um momento em que o grau
de globalização dos mercados era
significativamente menor.
Mas a agenda interditada tem
méritos. A preocupação com as
exportações e com os investimentos em infra-estrutura é correta. O
bom desempenho dessas variáveis não ocorre espontaneamente,
como mera decorrência de uma
melhora do ambiente econômico.
Para que aumente a inversão
produtiva, são necessários sinais
de rentabilidade estável para o
comércio exterior e uma regulação adequada com segurança jurídica. Tais características estão
ausentes da agenda oficial de política econômica.
Tropeço eletrônico
O artigo publicado nesta coluna
no sábado passado, "Quando começa o espetáculo do crescimento?", era uma versão antiga e
não-revisada. Lamentavelmente,
mandei o arquivo errado. O leitor
pode encontrar a versão correta,
como de resto todos os artigos desta coluna, em www.
gesneroliveira.com.br/.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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