São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

Um dos brasileiros do século

O mundo antigo consagrou algumas profissões que o mundo moderno derrogou.
Outras que surgiram e desaparecerão -algumas por serem supérfluas, outras por serem essenciais, essas sufocadas pelo universo de irrelevâncias que compõe o pensamento contemporâneo.
No Rio de Janeiro mora uma dessas figuras que podem ser chamadas de essenciais, adepta de uma profissão raríssima, e que tende à extinção: a de construtor de uma nação, exercício ao qual se dedica diuturnamente há quase 50 anos, mesmo nunca tendo se ocupado da atividade política.
Perto de seus 80 anos, o velho senhor surpreende não apenas pelo fato de falar nove idiomas, dominar da língua japonesa ao grego clássico, mas pela capacidade de entender seu analisado, o Brasil.
Com olhos espertos, mesmo afetados por uma trombose, e com pálpebras algo carregadas pela idade, com cabelos brancos um tanto revoltos, ele lembra esses sábios intemporais da saga narrada no livro "Senhor dos Anéis".
Poucos brasileiros vivos ou mortos -um Barão de Mauá aqui, um Vargas do segundo governo acolá- conseguiram ao mesmo tempo pensar o Brasil estrategicamente de maneira tão completa, avançada e pragmática, e deixar um legado de realizações tão significativo.

Nova solução
Que mané Michael Porter! O norte-americano consagrou-se como a maior voz do pensamento desenvolvimentista contemporâneo, mas perto do velho mestre não passa de um compilador de experiências bem-sucedidas de terceiros, que tenta replicar pelo mundo afora.
Nada de minimizar seu papel, mas o velho mestre está atrás e acima disso: é o construtor da experiência original, da nova solução.
Na sala que lhe é reservada na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Fierj), Eliezer Batista estende o mapa do Brasil e vai mostrando os eixos de desenvolvimento, as idéias do desenvolvimento sistêmico e integrado que agregou ao debate nacional.
É o autor dos conceitos que resultaram no "Avança Brasil" e que, agora, estão sendo debatidos por todos os governos dos países da América do Sul, para a integração econômica do continente.
A bíblia é seu livro "Infra-Estrutura para o Desenvolvimento Sustentado e a Integração da América do Sul".
Não demonstra corujice de pai exibindo crias brilhantes.
Apenas relata, como se tudo fosse normal, como se fosse natural a um funcionário público do setor de mineração deixar uma obra diplomática -a aproximação Brasil-Japão nos anos 70- sem paralelo na moderna diplomacia nacional, tendo como ferramenta apenas o fato de dirigir a então pequena Vale do Rio Doce.
O Japão tinha dinheiro e tecnologia, mas havia resistência das grandes potências em permitir a construção de uma grande siderurgia.
O Brasil tinha minérios, mas o minério ficava do outro lado do porto, e o Japão do outro lado do mundo, tornando o custo da operação inviável.
O então jovem mestre resolveu a equação melhorando a logística interna nacional e convencendo os japoneses a construir navios de grande calado que pudessem levar minérios e trazer petróleo.
O Japão se tornou potência mundial, a Vale do Rio Doce se transformou em uma das maiores mineradoras do mundo e dona da segunda maior frota mercante do planeta.
Mais tarde, Eliezer introduziu em Carajás o conceito do desenvolvimento sustentável, a primeira experiência internacional na matéria.
Depois, em plena agonia do governo de Fernando Collor, trouxe para o planejamento público a noção de desenvolvimento integrado.

Resistências
O primeiro fruto dessa nova concepção foi uma estrada asfaltada ligando Manaus a Puerto La Cruz, no litoral venezuelano, no leito da qual passa a linha de transmissão que poderia ligar a barragem de Guri, na Venezuela, a Manaus, e que acabou em Boa Vista por conta dos interesses paroquiais do governador Amazonino Mendes.
Em breve as obras transformarão Roraima em uma nova Paraná, além de dar vazão aos produtos da Zona Franca de Manaus (AM).
Para chegar a esse ponto, para superar as resistências regionais, estaduais e nacionais, Eliezer montava projetos levando em conta aspectos geoeconômicos (tratando regiões sem levar em conta as suas fronteiras estaduais e nacionais) e comparava com os geopolíticos (com cada planejamento sendo feito sem sinergia, restrito a cada um dos Estados).
Depois mostrava as duas contas para os governantes, como uma forma de convencê-los a aderir à integração.
Nos anos 70 ajudou a mudar a navegação e a redefinir a siderurgia mundial.
Em 2002, pretende criar a infra-estrutura para o comércio eletrônico. Aos 78 anos, ficou viúvo de sua esposa, mas continua casado com o Brasil.

E-mail -
lnassif@uol.com.br


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