São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A situação, a oposição e o mercado

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

A história de "O Velho, o Menino e o Burro" é contada há séculos na África, na Ásia e na Europa. "Era uma vez um homem já velho que ia para o mercado com o filho pequeno e um burro andando atrás..."
Aí encontraram um mercador que lhes disse que o burro serve para montar. O pai montou o menino no burro, seguindo viagem. Pouco depois, passaram por um especulador, que criticou a preguiça do menino. Ele acatou a sugestão de apear e ceder seu lugar ao velho. A seguir, encontraram economistas que criticaram o absurdo de deixar o filhinho andar a pé.
Ele foi então para a garupa, e o burro, cambaleando, seguiu para o mercado. Foi quando encontraram as avaliadoras de risco, que criticaram a crueldade com o pobre burro. O velho e o menino desmontaram, dependuraram o burro em uma tora e prosseguiram, carregando-o. Chegando ao mercado, todos os presentes se espantaram com eles. O menino assustou-se e largou sua ponta da tora justamente quando atravessavam uma ponte. O burro se desequilibrou e caiu da ponte, afogando-se no rio.
O velho e o menino aprenderam uma lição com tudo isso. A moral da história é: "Se você tentar agradar a todos, acabará não agradando a ninguém".
Essa história pode ser recontada, aqui e agora, em relação à campanha eleitoral. Aparentemente semelhantes no desejo de agradar ao mercado, os conteúdos dos discursos dos candidatos da situação e da oposição sobre política econômica têm significados bem distintos. Chegamos a essa conclusão se comparamos as possibilidades de consistência dinâmica de cada uma delas, apresentadas a seguir, usando um modelo de macroeconomia aberta.
Manter a situação, tentando agradar aos palpiteiros do mercado, significará manter a elevada taxa de juros, desestimulando os gastos privados. Os gastos governamentais não compensarão esse vazio devido à Lei da Responsabilidade Fiscal, ao corte de impostos e à privatização das empresas estatais. Sobrará como único fator expansionista da demanda agregada o eventual saldo líquido de exportações em caso de sucesso da pretendida política industrial.
O que ocorrerá, então, a médio prazo? Com a mobilidade perfeita de capitais, esse impulso na demanda agregada e, a curto prazo, na renda, provocará aumento da demanda por moeda. A oferta de moeda e a taxa de juros, permanecendo estáveis devido ao regime de metas inflacionárias, não a validarão. A confiança do mercado internacional nessa política propiciará a arbitragem com os juros aqui mais elevados, aumentando o saldo da conta de capital. O balanço de pagamentos terá superávit, o que, em um regime cambial flutuante, levará à apreciação da moeda nacional. Cairá a taxa de câmbio real e, com ela, a competitividade externa da economia brasileira.
De fato, se a taxa de câmbio for flutuante, a entrada líquida de capital provocará uma apreciação da moeda nacional que deteriorará o balanço comercial e exercerá um efeito depressivo sobre a renda. Esse efeito contrariará o efeito expansivo inicial do acréscimo de saldo comercial positivo. Enfim, haverá uma espécie de efeito esvaziamento cambial da exportação e da produção nacional, este devido à concorrência com as importações. A política econômica não terá consistência dinâmica. Apesar de tentar agradar ao mercado, dará com os "burros n'água".
Com a eventual vitória da oposição, o mercado ficará contrariado a curto prazo, porém a consistência dinâmica de sua política econômica agradará a todos a longo prazo. Se não, vejamos. A progressividade da tributação propiciará maiores gastos sociais do governo. Os gastos privados também se elevarão: o consumo, pela melhoria da distribuição de renda, e o investimento, pela queda da taxa de juros. Tendo sucesso também no aumento líquido das exportações, todos os componentes da demanda se expandirão.
A grande diferença estará justamente no grau de mobilidade do capital. Nesse caso de imobilidade de capital, devido à contrariedade do mercado internacional pela vitória da oposição, as variações da taxa de juros -a elevação com a política fiscal frouxa poderá ser compensada com a redução pela política monetária expansiva- não terão efeito sobre a conta de capital. O saldo do balanço de pagamentos será afetado somente pela deterioração da balança comercial.
O aumento de importações, induzido pela expansão da renda, em um regime de câmbio flexível, provocará uma depreciação da moeda nacional tal que tenderá a restabelecer o equilíbrio da balança comercial. Melhorará a relação competitividade-preço dos produtos nacionais vis-à-vis aos estrangeiros. Crescerá, então, a eficácia do efeito expansionista da política monetária e da política fiscal. O risco inflacionário dessa política econômica expansiva aumentará, pois a depreciação da moeda nacional elevará os preços dos produtos importados e, por contágio, os preços dos bens produzidos internamente e a taxa de salário. Porém a consistência dinâmica será alcançada com a simultânea elevação da oferta agregada de bens e de serviços.


Fernando Nogueira da Costa, 50, é professor associado do IE-Unicamp e coordenador da área de economia da Fapesp. É autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".
E-mail - fercos@eco.unicamp.br

Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Antonio Barros de Castro.


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