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ARTIGO
Bush está perdido no rancho em Crawford
PAUL KRUGMAN
Em seu fórum econômico em Waco [cidade próxima ao rancho de Bush, em Crawford, no Texas], o governo dos EUA tenta convencer o país de que tudo está
sob controle -que a economia está se recuperando, que as práticas empresariais ""ligeiramente desonestas" não são mais um problema. Para esse fim, uma platéia cuidadosamente selecionada ouvirá discursos de funcionários do governo e modelos de probidade corporativa escolhidos a dedo. Entre os palestrantes anunciados na semana passada estava o executivo-chefe da Cisco Systems,
John T. Chambers.
Ele não entendem, não é mesmo? Dificilmente poderia ter sido
escolhido um melhor exemplo de
o que está errado em toda a abordagem do governo.
Dois anos atrás, a Cisco era a
empresa mais valiosa do mundo,
com valor de mercado de mais de
US$ 500 bilhões. Chambers era
um dos executivos mais bem pagos do mundo, tendo recebido
US$ 157 milhões em 2000. A Cisco
era vista como empresa que unia
o brilho da nova economia à solidez à moda antiga, empresa que
estava na vanguarda tecnológica,
mas que fabricava produtos reais
e ganhava lucros verdadeiros.
Em outras palavras, as pessoas
enxergavam a Cisco como enxergavam a Enron.
Não é uma comparação forçada. Mesmo quando a Cisco estava
em alta, uma análise na Barron's a
descreveu como "Exemplo de
Contabilidade Criativa da Nova
Economia". A especialidade dela
era utilizar suas próprias ações sobrevalorizadas como moeda forte
-pagando seus funcionários
com opções sobre ações e emitindo mais ações para usá-las para
adquirir outras firmas. Graças a
brechas nas regras de contabilidade -defendidas com um trabalho intenso de lobby-, essas
transações permitiram que os
executivos fossem progressivamente diluindo o valor da participação de seus acionistas originais,
sem jamais declarar essa diluição
como custo da empresa.
A ilusão de lucratividade resultante disso mantinha o preço das
ações, possibilitando outras transações dúbias. Alguns analistas
chegaram a descrever a Cisco como um esquema de pirâmide.
Quando o castelo de cartas financeiro da Enron ruiu, US$ 80
bilhões em valor de mercado desapareceram. A Cisco não desabou, mas seu valor de mercado
caiu em mais de US$ 400 bilhões.
Ninguém da direção da empresa
-incluída, na 13ª posição, na lista
das ""Empresas gananciosas" da
revista ""Fortune"- foi preso.
Mas também não foi preso nenhum representante da Enron.
Alguns cínicos atribuem a ausência, até agora, de indiciamento
de alguém da Enron ao código de
lealdade da família Bush. Mas a
explicação alternativa é ao mesmo tempo inocente e assustadora:
os executivos da Enron podem
haver enganado e defraudado
seus acionistas sem, na realidade,
infringir a lei. O que a Cisco fez estava dentro da lei, sem dúvida.
Desde que a Enron entrou em
colapso, funcionários do governo
vêm insistindo que não são necessárias novas leis para reformar o
mundo das grandes empresas
americanas -é preciso apenas
implementar as leis que já existem. O governo Bush endossou
um projeto de lei que impõe reformas modestas na contabilidade, mas apenas depois de fazer tudo o que pôde para bloquear o
projeto. E, assim que ele foi aprovado, a administração começou a
emitir "diretrizes" aos promotores federais que vão solapar a intenção da nova lei de proteger as
pessoas que fazem denúncias,
coibir a destruição de documentos e outros pontos. Fica claro que
o governo ainda acha que a lei antiga era o bastante.
Mas a história da Cisco, assim
como a ausência de indiciamentos no caso Enron, deixa claro até
que ponto os executivos das empresas podem enriquecer pessoalmente sem deixarem de cumprir a lei. Os poucos executivos
detidos não são inteligências superiores -pelo contrário, quando se leva em conta as maneiras
legais pelas quais outros executivos enriqueceram enquanto os
acionistas da empresa perdiam
bilhões de dólares, esses poucos
que foram presos deveriam figurar numa edição especial, relativa
a empresas, de ""Os Criminosos
Mais Imbecis da América".
Agora o governo está dando o
sinal de que está tudo resolvido.
Aprovamos uma lei, prendemos
cinco pessoas, está tudo terminado. Mas o trabalho de reconstruir
as grandes empresas americanas
mal começou.
O próximo passo certamente terá que ser lidar com as opções sobre ações. Não é apenas que as
empresas declarem lucros maiores do que realmente tiveram, na
medida em que deixam de contabilizar essas opções sobre ações
como despesa. Grandes concessões de opções sobre ações também conferem a executivos o incentivo necessário para fazer o
que for preciso para gerar um impacto de curto prazo no preço das
ações. Se um ano de sucesso ilusório pode lhe render US$ 157 milhões, quem se importa com o que
possa acontecer mais tarde?
Byron Wien, da Morgan Stanley, disse recentemente a um grupo de analistas de títulos que a
""malevolência das opções sobre
ações" está na origem dos escândalos nas grandes empresas e que
""qualquer pessoa que disser que
opções sobre ações não constituem uma despesa destrói sua
credibilidade em todas as outras
questões". A empresa de Chambers continua a recusar-se a contabilizar as opções sobre ações como despesa. O governo já disse
que é contra a criação de normas
que exigiriam que a Cisco mudasse sua contabilidade. A escolha de
Chambers como palestrante parece ser uma reafirmação dessa
posição.
Como eu disse, eles simplesmente não entendem.
Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton e colunista do "The New York Times".
Tradução de Clara Allain
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