São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003 |
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COMÉRCIO MUNDIAL Texto, que pode ser revisto, não era o pretendido pelo Brasil Declaração agrícola segue posição dos EUA e da Europa
CLÓVIS ROSSI ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN O projeto de declaração final da 5ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), divulgado ontem, segue na essência as posições da União Européia e dos Estados Unidos, o que significa que, se adotado hoje, no encerramento da reunião em Cancún (México), a liberalização do comércio agrícola será tímida. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chefe da delegação brasileira, admitiu que o documento "está muito longe de chegar ao ponto que desejamos". Viu, de todo modo, "pequenos avanços", mas acrescentou: "Para que o texto seja aceitável, outros avanços serão necessários, e são importantes". Amorim rejeita, no entanto, a interpretação de que o texto preliminar é uma derrota para o G21, o grupo de países em desenvolvimento idealizado pelo Brasil. Para o chanceler, sem o G21, teria sido pior, porque os países em desenvolvimento teriam que engolir o texto preparado pelo presidente do Conselho Geral, o embaixador uruguaio Carlos Pérez del Castillo, apoiado pela União Européia e pelos Estados Unidos. De todo modo, ele admite que o que chama de "narrativa" do esboço de declaração final é "parecida com a adotada por Pérez del Castillo". Se é assim e se o esboço não for substancialmente alterado hoje, dia de encerramento da conferência, prevalecerá a visão que o próprio Amorim transmitiu na reta final dos preparativos para Cancún: "Cria uma equação que não pode ser preenchida com bons números". Perspectiva É uma alusão ao fato de que nem o texto de Pérez del Castillo, nem o do G-21 nem, finalmente, o esboço ontem apresentado contêm números concretos para a liberalização do comércio agrícola. A perspectiva que se abre agora para a delegação brasileira é "radicalizar ou tentar melhorar o que está aí", diz Marcos Sawaya Jank, especialista em agricultura e comércio internacional, que está assessorando o Ministério da Agricultura no encontro da Organização Mundial do Comércio. Amorim rejeita, por enquanto, a radicalização. Não fala em rejeitar o texto antes de tentar melhorá-lo e de tentar igualmente reduzir as ambiguidades que aparecem justamente nos pequenos avanços anotados pela delegação do Brasil. Cláusula da Paz Para as ONGs (organizações não-governamentais) que vigiam de perto a OMC, o esboço significa que "a OMC não reconhece a demanda quase universal de que o sistema de comércio agrícola seja substancialmente modificado", como diz Michael Bailey, diretor do Departamento Político da ONG britânica Oxfam. Pior, para os interesses brasileiros: propõe a extensão da chamada "Cláusula da Paz", por período de tempo deixado em branco na redação do texto. É o mecanismo que impede que países que se sintam prejudicados por práticas comerciais de seus parceiros da OMC recorram a medidas compensatórias ou a uma espécie de tribunal do próprio organismo, para obter compensações. A "cláusula", nos termos dos acordos atuais, deveria terminar no fim deste ano. Se fosse assim, permitiria que o Brasil, por exemplo, recorresse à OMC contra os Estados Unidos ou a União Européia, o que seria uma maneira -tortuosa, mas possível- de compensar o protecionismo agrícola dos ricos. Para se ter uma idéia do tamanho da derrota brasileira nesse capítulo, basta lembrar o diálogo entre o chanceler Celso Amorim e o comissário europeu para Agricultura, o austríaco Franz Fischler, durante a primeira reunião entre eles em Cancún, na quarta-feira. Fischler começou dizendo que "a cláusula da paz terminaria...". Amorim cortou: "Terminaria, não. Terminará". Não terminará, se a conferência adotar hoje o texto que foi apresentado ontem. Decepção Bailey, da Oxfam, compara: "É como amarrar a mão de um dos boxeadores. Enquanto os Estados Unidos podem adotar medidas compensatórias contra importações do aço brasileiro, por exemplo, o Brasil e os demais países em desenvolvimento não podem fazer a mesma contra os EUA na área agrícola". Tudo somado, o texto é "absolutamente decepcionante", na avaliação da Oxfam, uma ONG que tem feito abrangente acompanhamento do processo de negociação comercial. Texto Anterior: Luís Nassif: O olhar de meu pai Próximo Texto: Pobres reclamam de texto da OMC Índice |
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