São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

A aventura de 2003

GESNER OLIVEIRA

O ano de 2003 não será um romance de Hollywood com a certeza de um final feliz. Mas não será um filme de terror. Depois dos sustos de 2002, ninguém espera grande coisa de 2003. Com exceção daqueles que ainda acreditam em Papai Noel, não se aposta em forte crescimento. Tampouco se prevê um desastre. O ano de 2003 será um filme de aventura.
A opinião do mercado captada pela pesquisa Focus do Banco Central revela uma expectativa de expansão de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2003, ligeiramente superior ao que está ocorrendo em 2002 e um pouco menor do que o número encontrado em pesquisa realizada pela Deloitte com as mil maiores empresas do Brasil, de 2,3%.
Essa taxa de crescimento do PIB não é suficiente para reduzir significativamente o desemprego, que na média das regiões metropolitanas está em 8,1%. É possível que haja um aumento da desocupação em 2003. Isso contraria as expectativas de 57% dos entrevistados de pesquisa da Fiesp com 420 empresas da indústria paulista.
Quando as estatísticas do mercado de trabalho do primeiro trimestre do ano estiverem disponíveis, haverá maior tensão na coalizão governamental. Por sua vez, os setores mais radicais do PT, que nesta semana torceram o nariz para a indicação de Henrique Meirelles para o Banco Central, devem se tornar ainda mais impacientes a partir do segundo trimestre de 2003.
A pressão vai aparecer na política de juros e já na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que terá a marca do regime de transição para o próximo governo, a versão brasileira da "co-habitacion" francesa.
O problema central é quando será possível atender a forte e compreensível demanda por redução na taxa de juros. Dos entrevistados na pesquisa da Deloitte, 49% acham que os juros vão diminuir em 2003. A amostra da Focus indica uma expectativa de queda da taxa Selic para 19%, contra os 22% atuais.
Porém a inflação não deixa muita margem de manobra para a política monetária. Segundo a pesquisa da Fiesp, 57% acham alta a chance de descontrole de inflação no governo Lula. O IPCA deverá fechar 2002 em torno de 11%, cerca de três pontos percentuais acima da projeção mais pessimista que a Folha apurou no mercado na edição de 7 de janeiro de 2002.
As expectativas inflacionárias para 2003 são preocupantes. Passaram de 4% para algo próximo a 11% nos últimos cinco meses! Não foi apenas a taxa de inflação esperada que aumentou. Elevou-se com ela a disparidade entre as projeções. No jargão técnico, aumentou a dispersão das expectativas, tendo o coeficiente de variação crescido mais de 200%.
Na vida prática das empresas, isso significa que é mais arriscado errar na precificação dos bens e serviços. Isto é, corre-se o risco de ficar muito acima ou abaixo da média inflacionária da economia. Como é custoso mudar preços, os tomadores de decisão tendem a reajustar de acordo com as projeções mais pessimistas, realimentando o problema.
O dólar será obviamente uma variável chave para o comportamento da inflação. Segundo a pesquisa da Focus, o dólar fecharia 2003 em R$ 3,66. Isso representa uma depreciação nominal de 4,6%, o que embute uma expectativa de apreciação em termos reais de 5,6% (depois de descontar a inflação medida pelo IPCA).
Tal comportamento da moeda estrangeira depende de uma mudança de expectativas em relação à política econômica, que, por sua vez, passa pela diminuição do clima de incerteza. Ajuda para tanto definir os nomes daqueles que ocuparão os postos chaves no próximo governo, como o do presidente do Banco Central. Diminui, pelo menos, a aflição da mídia e do mercado. No entanto, para além dos personagens principais, fica a impressão de que ainda falta um roteiro para a aventura de 2003.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Banco Central deverá elevar juros para até 25%, dizem economistas
Próximo Texto: Artigo: Nike luta pela liberdade de expressão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.