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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

2004, o ano da virada

ALOIZIO MERCADANTE

O Brasil sofreu, ao longo dos últimos anos, um processo de fragilização estrutural que nos expôs a sucessivas crises. Na raiz desse processo está a aventura do "populismo cambial" do período 1995/98. Quatro anos de ajuste fiscal recessivo financiado por um aumento sem precedentes da carga tributária (20% de 1999a 2002) e pela compressão da renda dos trabalhadores, via aumento do desemprego e queda dos salários reais, foram insuficientes para reverter os desequilíbrios gerados naquele período. Pelo contrário, como a política monetária ortodoxa esterilizava o esforço fiscal, o endividamento público continuou se expandindo aceleradamente. A relação dívida líquida-PIB, que tinha alcançado 41,7% em 1998, fechou 2002 em 56,5%.
A exacerbação dos desequilíbrios cambial e fiscal ao longo de 2002 fragilizou ainda mais a economia brasileira e "blindou" o modelo de política econômica até então adotado, impondo severas restrições ao novo governo. Este foi obrigado a priorizar, em uma primeira fase, o controle da inflação, que havia batido a casa dos 30% (acumulado em 12 meses) ao final de 2002, e o restabelecimento das linhas de financiamento externo do país, que praticamente tinham sido interrompidas.
As medidas adotadas pelo governo do presidente Lula possibilitaram o refluxo do chamado risco-país, que de um patamar de 2.400 pontos em setembro/outubro do ano passado caiu para menos de 500 pontos na atualidade, e o restabelecimento do crédito externo, com a rolagem das dívidas das empresas alcançando níveis confortáveis e prazos mais longos. O dólar recuou de R$ 3,95 em outubro de 2002 para cerca de R$ 2,90, e a taxa de inflação projetada para 12 meses caiu consistentemente, situando-se atualmente em torno de 6% ao ano.
Os avanços na reversão da crise cambial abriram caminho para a diminuição da taxa básica de juros em nove pontos percentuais de junho até novembro passado, reduzindo-se consequentemente o custo de rolagem da dívida pública. Mas a taxa de 17,5% ainda é muito elevada -equivale a cerca de 11,5% em termos reais-, situando-se muito acima dos padrões aceitáveis para uma economia em desenvolvimento.
O governo adotou também uma série de medidas para a redução dos juros na ponta, incluindo programas de microcrédito e de crédito cooperativo, juros baixos para crédito com garantia salarial, linhas especiais de crédito para os aposentados e financiamento em condições mais favoráveis para os pequenos produtores rurais, para os assentamentos da reforma agrária e para as pequenas e as microempresas.
A forte expansão das exportações -20% até novembro de 2003 ante só 1% de crescimento das importações-, resultante de uma política comercial mais agressiva e centrada na defesa dos interesses nacionais, possibilitou um saldo comercial superior a US$ 22 bilhões, o que permitiu aliviar a pressão sobre as contas externas e gerar um excedente nas transações correntes com o exterior -passamos de um déficit de US$ 8 bilhões em 2002 para um superávit de cerca de US$ 3 bilhões em novembro passado- que está lastreando o aumento das nossas reservas líquidas.
Estabilizado em termos globais o quadro macroeconômico, a grande questão que se coloca para o país é a retomada do crescimento. Crescer e combinar o crescimento com políticas de renda, de emprego e de universalização dos serviços básicos é essencial para viabilizar a superação das fragilidades estruturais que herdamos e avançar na construção de um novo padrão de desenvolvimento com justiça social, que é um compromisso fundamental do governo do presidente Lula.
Não há crescimento econômico sem investimento. E, embora o capital estrangeiro possa ser um complemento importante, o esforço de investimento, em um país como o nosso, tem de ser fundamentalmente endógeno. Alguns passos nessa direção já foram dados: o BNDES reorientou suas atividades para dar suporte à expansão da capacidade produtiva industrial e das exportações; o programa de habitação, financiado pela Caixa Econômica Federal, contribuirá para a revitalização da indústria da construção e do emprego; a reforma tributária permitirá desonerar os bens de capital e os bens de consumo popular e também simplificar e reduzir a cumulatividade do sistema tributário; o governo está definindo regras estáveis e transparentes para os serviços produtivos básicos e está propondo um novo esquema de parceria com o setor privado para alavancar investimentos em infra-estrutura.
Paralelamente, ampliaram-se os alcances da política social com diversas ações e programas, como o Brasil Alfabetizado, o Bolsa-Família, que beneficiará 3,6 milhões de famílias ainda neste ano, e o Luz Para Todos, que até 2008 atingirá 11,5 milhões de famílias.
Apesar das muitas dificuldades que ainda enfrentamos, os avanços realizados permitem projetar para 2004 uma perspectiva bastante positiva. Estamos virando o jogo e reconstruindo o equilíbrio fiscal, agora a partir do crescimento, e não da recessão.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário de Relações Internacionais do PT e líder do governo no Senado Federal.

E-mail -
mercadante@senador.gov.br

Internet:
www.mercadante.com.br


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