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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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RETOMADA EM XEQUE

Boletim da instituição critica política econômica e diz que melhora de indicadores é fruto do bom humor externo

Lula será "FHC com deságio", prevê Unicamp

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo Lula adotou a política econômica de Fernando Henrique Cardoso e deve colher os mesmos resultados: espasmos de crescimento seguidos de ajustes recessivos. Pior, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) recebeu a economia em situação mais delicada do que seu antecessor, o que limita mais a possibilidade de o país entrar num ciclo de crescimento sustentável. Do ponto de vista econômico, Lula só conseguirá ser "um FHC com deságio".
A avaliação é dos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro, da Unicamp (Universidade de Campinas), que lançam amanhã um boletim de conjuntura no qual pesquisadores da instituição analisam a política econômica do governo.
Para ambos, o que começou como um recuo tático do governo -a adoção de uma política conservadora para acalmar o mercado financeiro-, transformou-se em uma armadilha: sempre em busca de credibilidade, o governo é obrigado a adotar, cada vez em maior grau, as mesmas políticas conservadoras. Assim, quanto mais se busca a confiança dos mercados, menos chances o governo tem de adotar uma política alternativa. É o que eles chamam de "paradoxo da credibilidade".
O problema, lembram, é que a política adotada agora é exatamente a mesma que fez com que a economia brasileira crescesse modestos 2,5% anuais (em média) entre 1994 e 2002. Os raros anos de crescimento daquele período podem inclusive não se repetir. "As condições são muito piores. O endividamento público é mais alto, o nível de emprego, menor, a renda está mais retraída e não há mais como aumentar a carga tributária para gerar mais superávit fiscal", diz Belluzzo.
Tanto Belluzzo quanto Carneiro fazem uma concessão: existe uma probabilidade de que a combinação de metas de inflação, câmbio flutuante e aperto fiscal dê certo. Só que a probabilidade é pequena e depende mais ou menos de uma condição: o mundo mudar.
A economia internacional precisa crescer, os mercados externos devem continuar inundados de dinheiro e de gente disposta a financiar empresas e países emergentes, o Brasil precisa crescer sem que a balança comercial perca fôlego. Ou seja, nada do que aconteceu nos anos 90 -crises na Ásia, na Rússia, no México, nas Bolsas e na economia dos EUA- pode ocorrer nos próximos anos.

Herança maldita
No boletim, eles admitem que Palocci recebeu uma "herança maldita". A avaliação inclusive é que a herança é mais antiga do que sugere o governo atual. Ela teria origem na abertura financeira e comercial brasileira, no início dos anos 90. Feitas de forma abrupta e precipitada, ambas tornaram o país muito vulnerável a pequenos e grandes temores na economia internacional.
"Mas o governo não fez nada para acabar com ela", diz Carneiro. Parte da melhora dos indicadores de conjuntura, como a queda do risco-país, por exemplo, estaria mais associada ao momento de euforia no mercado internacional do que à melhora do desempenho econômico brasileiro.
"Há um apetite enorme por papéis no mercado internacional. O resultado foi uma queda significativa do custo de financiamento de todos os países, não só do Brasil", analisa Daniela Prates, co-autora do documento. O problema é que, como em outros períodos, uma crise localizada pode levar a uma revoada dos investidores, fazendo os riscos subirem e as fontes de financiamento secarem.
Aparentemente, diz Carneiro, a política deu certo, "mas o governo não tem controle de nada". O câmbio é livre. O financiamento externo depende do humor dos mercados. As exportações, de um câmbio desvalorizado. A algum sinal de crise, resta ao governo o instrumento da recessão: aumentar os juros e apertar os gastos.
Ele avalia que a combinação do sistema de metas de inflação com câmbio flutuante fatalmente levará o Brasil a uma trajetória que os economistas chamam de "stop-and-go": pequenos surtos de crescimento seguidos de recessão.
Em momentos de otimismo como o atual, o câmbio se valoriza, investidores e empresas trazem recursos para o Brasil, as exportações perdem um pouco de fôlego e as importações começam a crescer. "Temos um superávit comercial recorde, mas a pauta de exportações não mudou. A grande dúvida é se esse saldo é compatível com crescimento econômico", diz Carneiro. O dólar barato também aumenta os gastos de brasileiros no exterior. O resultado: uma piora nas contas externas.
Com a piora, uma pequena mudança no humor dos mercados é suficiente para desvalorizar o câmbio, segundo o economista. Dólar mais alto ajuda as exportações. As contas externas voltam a se ajustar, mas à custa de recessão: o dólar alto pressiona preços e, para preservar a meta de inflação, o governo tem que subir os juros.
A saída, na avaliação de Carneiro, seria o governo adotar algum mecanismo de controle de capitais, evitando oscilações muito fortes do câmbio e mantendo o real em níveis que estimulem as exportações. Mas ele não vê espaço nem disposição do governo para adotar a mudança.
Belluzzo vê ainda outro problema na política de câmbio flutuante do governo: ela inibiria o investimento estrangeiro produtivo no país. "Quando alguém investe, quer saber a que preço poderá vender seus produtos no mercado internacional Ou seja, ele precisa ter o mínimo de previsibilidade da taxa de câmbio", diz.
Os economistas da Unicamp admitem que 2004 pode ser um ano de crescimento, mas avaliam que a economia terá muito menos fôlego para crescer do que em 1994, por exemplo, ano do lançamento do Plano Real, quando o Brasil cresceu 5,8%.
Os motivos: falta de renda, o governo não vai poder gastar como fazia naquele ano, o crédito, por mais que se expanda, não levará dinamismo a todos os setores.
Carneiro lembra que o ajuste deste ano "comeu" 15% da renda dos brasileiros. O alto desemprego também levou a uma maior informalização do mercado de trabalho: quase metade dos trabalhadores não tem emprego formal e, portanto, terá maior dificuldade para acessar mecanismos de crédito. Sem renda e com restrição de crédito, 2004 dificilmente seria o ano do "espetáculo de crescimento".


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