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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

A sobreliquidez internacional e os riscos para o Brasil

DANIELA MAGALHÃES PRATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O contexto atual de sobreliquidez internacional iniciou-se em novembro de 2002, quando o corte de mais 0,5 ponto percentual da taxa de juros americana estimulou os investidores globais a buscar aplicações de maior rentabilidade.
A redução aconteceu num ambiente de juros historicamente baixos nos EUA e na Europa e de desilusão com as aplicações em ações, após o estouro da bolha acionária e a sucessão de fraudes contábeis naquele país.
Desde então, as condições adversas de financiamento externo para os países emergentes, que predominaram ao longo de 2002, se reverteram.
No segundo semestre de 2003, as expectativas mais consistentes de retomada do crescimento econômico mundial em 2004 têm alimentado esse novo ciclo de abundância de recursos, que transparece em vários indicadores: o aumento significativo das aplicações nos fundos de investimento especializados em mercados emergentes e a valorização generalizada das respectivas Bolsas; a forte queda dos "spreads" dos títulos emitidos por residentes nesses mercados e, assim, dos respectivos riscos-países; a onda recente de elevação de notas de títulos.
De acordo com gestores e analistas internacionais, a alta recente nos mercados emergentes é uma das mais fortes da história.
O Brasil tem sido particularmente beneficiado neste período de boom. Além da continuidade do movimento de ajuste do risco Brasil, que havia atingido patamares excessivamente altos em 2002, a elevação dos "ratings" da Rússia e do México para a categoria "grau de investimento" pelas agências de classificação de risco fomentou a demanda por títulos externos brasileiros, devido à sua maior rentabilidade e liquidez no mercado de títulos emergentes sem grau de investimento.
Apesar de a agência Fitch ter elevado o "rating" da dívida soberana brasileira em moeda estrangeira de longo prazo em uma escala ("B" para "B+"), em novembro, e da agência Standard & Poor's ter alterado sua avaliação para essa dívida de estável para positiva na semana passada, ainda falta um longo percurso para que os títulos brasileiros sejam alçados a "grau de investimento".
Na realidade, mais uma vez a economia brasileira tem surfado numa onda de liquidez internacional que não deve demorar para terminar. Vários analistas projetam o fim do boom para meados de 2004, em decorrência da provável elevação dos juros nos EUA, em resposta seja ao elevado déficit externo, seja às pressões inflacionárias associadas à retomada do crescimento econômico, seja ao maior endividamento público.
Assim, essa estratégia é de alto risco, ainda mais numa economia como a brasileira, com elevada vulnerabilidade externa. Apesar da melhora dos indicadores de liquidez e solvência externas no terceiro trimestre deste ano, eles ainda se encontram em patamares muito elevados. A melhora se deve, em grande parte, a fatores conjunturais.
Considerando um conjunto de emergentes que também enfrentaram crises cambiais nos anos 90 (Coréia do Sul, Tailândia, México, Rússia), a gravidade da situação externa da economia brasileira fica evidente: enquanto em junho de 2003 nosso indicador de "liquidez da dívida externa de curto prazo sobre reservas internacionais líquidas" era superior a 1 e o de "solvência da dívida externa sobre exportações" ultrapassava 3, naqueles países eles não atingiam 0,6 e 0,7, respectivamente.


Daniela Magalhães Prates é pesquisadora e professora do Cecon (Centro de Conjuntura do Instituto de Economia da Unicamp)


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