São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

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ANÁLISE

Ortodoxia permanece após quitação de dívida

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ironicamente, o partido que bradava "Fora, FMI" mostrou-se o melhor cliente do organismo. Mas, hoje, faz sentido: mergulhado desde o primeiro dia na contradição entre a cartilha econômica ortodoxa e a base social de esquerda, o governo Lula adotou medida que oferece a oportunidade de um discurso capaz de agradar a seus dois principais e contraditórios pilares de sustentação.
A quitação antecipada da dívida com o FMI pode ser defendida com argumentos ao gosto do mercado financeiro e dos demais defensores dos "bons fundamentos econômicos". Dá uma demonstração de solidez das contas externas, eleva a credibilidade internacional do país, reduz os custos para o Tesouro etc. etc.
Ao mesmo tempo, pode ser apresentada nos palanques de 2006 como a prova de que o governo petista livrou o país da tutela do organismo internacional que sempre foi alvo preferencial das palavras de ordem dos tempos de oposição, reforçando uma tese iniciada já na decisão de não renovar o acordo com o Fundo, no início deste ano.
Melhor ainda: permite uma comparação das mais vantajosas com os arqui-rivais tucanos e pefelistas. O governo FHC, afinal, teve de recorrer nada menos que três vezes ao FMI -na última, deixando para seu sucessor um acordo em andamento e a condição de maior devedor do Fundo.
Mas, retórica à parte, nada muda tanto assim. Para a maior parte do mercado, o Brasil continua uma economia vulnerável a eventuais turbulências financeiras. Foram modestos os avanços obtidos no principal indicador da fragilidade do país, a dívida pública superior a 50% do PIB; o real se mantém entre as moedas mais voláteis do mundo.
Pelos mesmos motivos, não se deve acreditar que a autonomia formal em relação ao FMI -com a quitação, o Brasil deve deixar a condição de economia sob monitoramento do Fundo- vá se traduzir em uma política econômica mais distante da ortodoxia.
Segundo as avaliações colhidas pela Folha, a cúpula do governo, embora deseje "flexibilizar" a política econômica, não vê margem para abandonar nenhum de seus princípios básicos: juros fixados a partir de metas de inflação decrescentes, câmbio flutuante e adoção de metas fiscais apertadas até a queda da dívida pública para um patamar perto de 40% do PIB. Não há, por exemplo, justificativa técnica para abrandar a meta de inflação de 4,5% fixada para 2006.
No momento, as discussões internas se limitam a ajustes de dosagem. O superávit fiscal destinado ao pagamento de juros não deverá mais ser tão superior à meta oficial de 4,25% do PIB, mas pode-se acelerar a queda dos juros e o BC pode continuar atuando para deter a queda do dólar. E isso se a conjuntura continuar favorável.


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