São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

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COMÉRCIO GLOBAL

Abrir o setor era um dos principais objetivos, mas preferências passam a ser agricultura e bens industriais

Serviços saem da lista prioritária na OMC

Paul Hilton/EFE
Pescadores indonésios saltam de barco, em Hong Kong, para protestar contra a reunião da OMC


DO ENVIADO ESPECIAL A HONG KONG

Mal começou, na tarde de ontem, a 6ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial de Comércio), e já surgiu a primeira vítima (ou o primeiro beneficiário, para os que se opõem à liberalização): o setor de serviços.
Até começar a conferência, abrir o setor era um dos três itens considerados mais suculentos.
Mas, na entrevista coletiva concedida logo após a cerimônia inaugural, tanto o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, como o presidente da conferência, o ministro do Comércio de Hong Kong, John Tsang, citaram apenas agricultura e bens industriais como as prioridades. Ou, como preferiu Lamy, os assuntos que "ficaram no assento da frente".
Além, é óbvio, do chamado pacote do desenvolvimento, uma ajuda aos países mais pobres do mundo (49, 32 deles membros da OMC, batizados de LDCs, no copioso jargão internacional, sigla em inglês para Países Menos Desenvolvidos).

"No banco de trás"
O pacote é a melhor maneira que os negociadores encontraram até agora para justificar o nome oficial da Rodada (Agenda Doha de Desenvolvimento) e para ter algo concreto a oferecer ante o impasse quase completo em agricultura, bens industriais e serviços.
Lamy justificou o fato de ter deixado serviços no "banco de trás" com o argumento de que "está em melhores condições para ser negociado".
Não é bem assim. O esboço de declaração final da Conferência de Hong Kong fala em ambos os modelos que, basicamente, estão em jogo: o que diz que cada país tem o direito de apresentar para liberalização apenas os serviços que assim desejar e aquele que estabelece um número mínimo obrigatório de áreas a serem negociadas.
O Brasil prefere o primeiro método. O mundo rico aposta no segundo. Se prevalecer a proposta da União Européia, os países desenvolvidos teriam de oferecer para negociação 115 dos 148 setores existentes, enquanto os países em desenvolvimento poderiam oferecer 80.

Pacote chamuscado
Sair da lista de prioridades não significa, no entanto, que desaparece a ambição dos países ricos por abrir o mercado de serviços. Fica adiada para algum momento do ano que vem, quando a OMC tentará fechar os buracos que Hong Kong não conseguir tapar nesta reunião.
Se e quando chegar esse momento, a União Européia voltará à carga com o seu modelo de negociações obrigatórias, como deixou claro ontem o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson.
Já o pacote para o desenvolvimento, alçado à condição prioritária na véspera, saiu chamuscado de seu primeiro dia no "assento dianteiro".
A Folha ouviu de um embaixador africano que o pacote contém "ofertas que os Estados Unidos não podem entregar e que a União Européia já entregou".
Tradução: o cerne do pacote é o esquema "duty free/cota free". Ou seja, dá a todos os LDCs o direito de exportarem para seus parceiros da OMC sem impostos de importação e sem limite de cotas.

Autorização do Congresso
A Europa passeia impavidamente nas entrevistas coletivas o fato de que ela já adota esse mecanismo de forma irrestrita e cobra dos Estados Unidos que, "a partir de certa data", estenda o esquema a todos os produtos de todos os países, diz Mandelson.
Ele sabe que os Estados Unidos não podem fazê-lo. Para abrir irrestritamente seu mercado, é necessária a autorização do Congresso para uma lista de 500 linhas tarifárias (linhas tarifárias são a classificação internacional; correspondem a produtos, mas só laranjas, por exemplo, aparecem em 40 listas tarifárias).
Imaginar que o Congresso norte-americano dará tal autorização é ingenuidade, dizem os especialistas em comércio internacional, o que justifica a frase do embaixador africano.
De todo modo, os principais atores da negociação, como Mandelson e Lamy, tratam de deixar claro que o pacote do desenvolvimento não é tudo o que a Rodada Doha tem a oferecer para o mundo pobre. "O pacote não é um substituto para um ambicioso resultado em todas as áreas de negociação e não pode ser desculpa para que os países não se mexam", diz Lamy. (CR)


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