São Paulo, Sábado, 15 de Janeiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Que tal dolarizar o Brasil também?

ROBERTO LUIS TROSTER

Este mês, o Equador está dolarizando sua economia como forma de evitar uma maior deterioração de seus indicadores macroeconômicos. O país está abdicando da moeda própria para usar a americana.
É uma solução emergencial e atabalhoada para um problema grave, que é resultado de um quadro institucional monetário fraco. A dolarização equatoriana está sendo recebida com protestos. Mas é uma solução que pode trazer benefícios duradouros para a economia equatoriana. A questão que levantamos é a conveniência de uma dolarização no Brasil.
O arranjo institucional da administração monetária brasileira sempre foi, e continua sendo, muito fraco. Basta considerar que neste século podem ser contados os anos em que a inflação ficou abaixo dos 10%, bem como as décadas em que não tivemos uma crise cambial. Em resumo, a instabilidade monetária foi a regra e os períodos de estabilidade foram a exceção no Brasil.
Os contados períodos de estabilidade monetária, como o atual, sempre foram mérito de equipes econômicas. A instabilidade crônica é resultado de arranjos institucionais fracos. Assim, é oportuno pensar em uma solução mais duradoura para a administração da moeda brasileira.
Uma moeda estruturalmente forte teria uma importância ímpar para a nação brasileira: preços firmes, câmbio sólido, incentivos a poupar, abundância de crédito, juros baixos, investimentos vultosos, transferência de tecnologia, empregos etc. Em suma, a estabilidade da moeda propiciaria a retomada definitiva do nosso desenvolvimento econômico.
As metas de inflação adotadas em junho último têm um papel primordial no sentido de fortalecer a moeda a curto e médio prazo. Mas a questão estrutural não ficará resolvida, pois basta apenas substituir a atual equipe no Banco Central por uma menos capaz para que a instabilidade volte. É gritante a necessidade de mudanças estruturais, em vez de remendos, nessa área.
Existem algumas soluções que propiciariam um fortalecimento mais duradouro da moeda no Brasil. As duas mais debatidas são a dolarização e a moeda única do Mercosul. Nos dois casos haveria uma substituição da moeda nacional por outra. O dólar sucederia o real no caso da dolarização e o gaúcho é o nome mais usado para designar a futura moeda do Mercosul. Mas a grande crítica feita à substituição do real por outra moeda é que isso significaria uma perda de soberania para o país, porque qualquer expansão de moeda ficaria condicionada à necessidade de reservas em divisas, impondo, consequentemente, limites à atividade financeira do governo.
A crítica da perda de soberania é pouco explícita no que diz respeito a que tipo de soberania se refere, pois a soberania refere-se tanto à proteção dos interesses do país como os de seu soberano (daí o nome), implicitamente assumindo que ambos interesses se confundem.
Contudo, no caso específico da substituição da moeda nacional, a questão da soberania é ambígua, pois, se, por um lado, tira soberania do Banco Central no controle da oferta monetária, por outro, aumenta a soberania da população, que passa a ter crédito farto e barato, juros baixos, investimentos massivos, crescimento sustentado, estabilidade duradoura, empregos abundantes etc.
A justificativa para que o Banco Central tenha o controle irrestrito na oferta monetária do país é que, dessa forma, o mesmo poderia dar uma estabilidade maior à moeda nacional. Contudo, na prática, tanto no Brasil como no resto do mundo, têm-se observado que o monopólio da oferta de moeda pelo Banco Central do país tem sido a principal causa da instabilidade. A razão para a instabilidade está no descontrole monetário que se observa em países onde a única restrição existente é a discrição do soberano (Banco Central) na condução da política monetária. O resultado dessa falta de limites se manifesta por meio de uma alta instabilidade na atividade econômica e uma inflação crônica, além de crises cambiais como resultado da monetização de déficits sistemáticos do governo (soberano).
Em outras palavras, a autonomia dada ao governo (soberano) na emissão de moeda resulta, na prática, em um prejuízo que é arcado por todo o resto da sociedade em razão dos objetivos imediatos e falta de probidade e de capacidade do Executivo (soberano).
Outro ponto é que a globalização financeira tirou autonomia monetária de todos os bancos centrais, sejam eles eficientes ou não na administração da moeda. Basta pensar na preocupação de todos os bancos centrais quando o Fed ou o Bundesbank decidem mudar suas taxas. Ou seja, a soberania monetária já é, de fato, relativa em todos os países.
Dessa forma, a dolarização ou a adoção do gaúcho, apesar de impor restrições à atividade do "soberano", não são necessariamente sinônimos de grandes perdas de soberania. Também é fato comprovado que recessões crônicas, crises cambiais, inflação, investimentos baixos, créditos escassos etc. ferem profundamente a soberania em todos os seus sentidos. Portanto a análise de uma reforma da moeda está na ordem do dia.
Evidentemente, a substituição do padrão monetário deveria ser objeto de amplo debate por toda a sociedade. A alternativa da dolarização se apresenta mais rápida e simples, porém a solução do gaúcho pode ser mais conveniente para os interesses do país.
Além do fato de que o governo brasileiro continuaria a ter alguma influência na sua administração, o gaúcho serviria também para consolidar o Mercosul. O momento é oportuno para mudanças profundas no Brasil e nas outras economias que formam o bloco. É nas horas boas que devem ser realizadas as mudanças importantes; nas crises, apenas é possível apagar os incêndios.


Roberto Luis Troster, 49, economista e consultor, é doutor em economia pela USP (Universidade de São Paulo), professor associado da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e diretor da Ordem dos Economistas.


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