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OPINIÃO ECONÔMICA
Que tal dolarizar o Brasil também?
ROBERTO LUIS TROSTER
Este mês, o Equador está dolarizando sua economia como forma
de evitar uma maior deterioração
de seus indicadores macroeconômicos. O país está abdicando da
moeda própria para usar a americana.
É uma solução emergencial e
atabalhoada para um problema
grave, que é resultado de um quadro institucional monetário fraco. A dolarização equatoriana está sendo recebida com protestos.
Mas é uma solução que pode trazer benefícios duradouros para a
economia equatoriana. A questão que levantamos é a conveniência de uma dolarização no
Brasil.
O arranjo institucional da administração monetária brasileira
sempre foi, e continua sendo,
muito fraco. Basta considerar que
neste século podem ser contados
os anos em que a inflação ficou
abaixo dos 10%, bem como as décadas em que não tivemos uma
crise cambial. Em resumo, a instabilidade monetária foi a regra e
os períodos de estabilidade foram
a exceção no Brasil.
Os contados períodos de estabilidade monetária, como o atual,
sempre foram mérito de equipes
econômicas. A instabilidade crônica é resultado de arranjos institucionais fracos. Assim, é oportuno pensar em uma solução mais
duradoura para a administração
da moeda brasileira.
Uma moeda estruturalmente
forte teria uma importância ímpar para a nação brasileira: preços firmes, câmbio sólido, incentivos a poupar, abundância de crédito, juros baixos, investimentos
vultosos, transferência de tecnologia, empregos etc. Em suma, a estabilidade da moeda propiciaria
a retomada definitiva do nosso
desenvolvimento econômico.
As metas de inflação adotadas
em junho último têm um papel
primordial no sentido de fortalecer a moeda a curto e médio prazo. Mas a questão estrutural não
ficará resolvida, pois basta apenas substituir a atual equipe no
Banco Central por uma menos
capaz para que a instabilidade
volte. É gritante a necessidade de
mudanças estruturais, em vez de
remendos, nessa área.
Existem algumas soluções que
propiciariam um fortalecimento
mais duradouro da moeda no
Brasil. As duas mais debatidas
são a dolarização e a moeda única do Mercosul. Nos dois casos
haveria uma substituição da
moeda nacional por outra. O dólar sucederia o real no caso da dolarização e o gaúcho é o nome
mais usado para designar a futura moeda do Mercosul. Mas a
grande crítica feita à substituição
do real por outra moeda é que isso significaria uma perda de soberania para o país, porque qualquer expansão de moeda ficaria
condicionada à necessidade de
reservas em divisas, impondo,
consequentemente, limites à atividade financeira do governo.
A crítica da perda de soberania
é pouco explícita no que diz respeito a que tipo de soberania se
refere, pois a soberania refere-se
tanto à proteção dos interesses do
país como os de seu soberano (daí
o nome), implicitamente assumindo que ambos interesses se
confundem.
Contudo, no caso específico da
substituição da moeda nacional,
a questão da soberania é ambígua, pois, se, por um lado, tira soberania do Banco Central no controle da oferta monetária, por outro, aumenta a soberania da população, que passa a ter crédito
farto e barato, juros baixos, investimentos massivos, crescimento
sustentado, estabilidade duradoura, empregos abundantes etc.
A justificativa para que o Banco
Central tenha o controle irrestrito
na oferta monetária do país é
que, dessa forma, o mesmo poderia dar uma estabilidade maior à
moeda nacional. Contudo, na
prática, tanto no Brasil como no
resto do mundo, têm-se observado que o monopólio da oferta de
moeda pelo Banco Central do
país tem sido a principal causa da
instabilidade. A razão para a instabilidade está no descontrole
monetário que se observa em países onde a única restrição existente é a discrição do soberano (Banco Central) na condução da política monetária. O resultado dessa
falta de limites se manifesta por
meio de uma alta instabilidade
na atividade econômica e uma
inflação crônica, além de crises
cambiais como resultado da monetização de déficits sistemáticos
do governo (soberano).
Em outras palavras, a autonomia dada ao governo (soberano)
na emissão de moeda resulta, na
prática, em um prejuízo que é arcado por todo o resto da sociedade em razão dos objetivos imediatos e falta de probidade e de capacidade do Executivo (soberano).
Outro ponto é que a globalização financeira tirou autonomia
monetária de todos os bancos
centrais, sejam eles eficientes ou
não na administração da moeda.
Basta pensar na preocupação de
todos os bancos centrais quando o
Fed ou o Bundesbank decidem
mudar suas taxas. Ou seja, a soberania monetária já é, de fato,
relativa em todos os países.
Dessa forma, a dolarização ou a
adoção do gaúcho, apesar de impor restrições à atividade do "soberano", não são necessariamente sinônimos de grandes perdas
de soberania. Também é fato
comprovado que recessões crônicas, crises cambiais, inflação, investimentos baixos, créditos escassos etc. ferem profundamente
a soberania em todos os seus sentidos. Portanto a análise de uma
reforma da moeda está na ordem
do dia.
Evidentemente, a substituição
do padrão monetário deveria ser
objeto de amplo debate por toda a
sociedade. A alternativa da dolarização se apresenta mais rápida
e simples, porém a solução do
gaúcho pode ser mais conveniente para os interesses do país.
Além do fato de que o governo
brasileiro continuaria a ter alguma influência na sua administração, o gaúcho serviria também
para consolidar o Mercosul. O
momento é oportuno para mudanças profundas no Brasil e nas
outras economias que formam o
bloco. É nas horas boas que devem ser realizadas as mudanças
importantes; nas crises, apenas é
possível apagar os incêndios.
Roberto Luis Troster, 49, economista e consultor, é doutor em economia pela USP (Universidade de São Paulo), professor associado
da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de
São Paulo e diretor da Ordem dos Economistas.
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