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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Que seja a última

BENJAMIN STEINBRUCH

Não dá para crer que guerras ainda existam no século 21. Elas foram a maior tragédia da humanidade no século 20. Só na Segunda Guerra Mundial morreram 50 milhões de pessoas, a maioria civis. É como se, num terremoto, fossem varridas do mapa todas as pessoas que moram nos Estados de São Paulo e do Rio.
Obcecados por causas políticas e com frieza glacial, os senhores do mundo esquecem que as operações militares deixam para trás sofrimentos inconsoláveis. No século 20, costumávamos tomar conhecimento do aspecto humano das guerras pelo cinema ou pelos livros, muito tempo depois que elas terminavam. Nesta guerra do Iraque, muita desgraça pode ser vista ao vivo, na televisão, 24 horas por dia.
Felizmente, a TV ainda não mostra tudo. Guerra ao vivo é um programa que deveríamos banir da vida de nossos filhos. Já basta o que eles têm de aprender nos livros sobre os horrores das batalhas do passado.
Está nas livrarias brasileiras uma obra magistral sobre a Segunda Guerra Mundial, "Stalingrado, o cerco fatal", escrita pelo jornalista inglês Antony Beevor. É útil para quem quiser meditar sobre as imundices da guerra. Narra a invasão alemã na Rússia e, especialmente, a batalha de Stalingrado, uma das mais sangrentas da história de humanidade.
Beevor conta que, em outubro de 1941, durante a estação das chuvas na Rússia, os caminhões alemães com os suprimentos para os soldados muitas vezes encalhavam em alguns trechos das estradas. Para vencer a lama, usavam normalmente troncos de bétula, com os quais faziam uma "pista de madeira". Em alguns lugares, onde não havia bétula, utilizavam em seu lugar cadáveres de russos como pranchas.
Antony Beevor não inventou atrocidades como essa, tão cruéis quanto as praticadas contra 6 milhões de judeus na Segunda Guerra. Ele pesquisou nos dois lados do conflito, o alemão e o russo, leu cartas de soldados e entrevistou sobreviventes.
Os soviéticos perderam 26 milhões de pessoas na Segunda Guerra. Hitler invadiu a URSS em 1941, com 4 milhões de soldados. Nas três primeiras semanas de combate, foram mortos 2 milhões de homens do Exército Vermelho, milhares executados pelos próprios soviéticos. Por uma ordem escrita (nš 227) de Joseph Stálin, também conhecida como "Nem um passo atrás", o soldado que recuasse ou se rendesse ao inimigo seria considerado traidor da pátria.
Stálin, um dos senhores do mundo na época, dispunha da vida de seu povo. Por ordem dele, cada exército tinha de organizar destacamentos de até 200 homens para formar uma segunda linha de batalha, cuja obrigação era fuzilar qualquer homem que tentasse fugir do combate.
Calcula-se que, só em Stalingrado, os soviéticos tenham executado 13 mil de seus próprios soldados. Outros milhares foram presos. Em 1955, dez anos depois do fim do conflito, ainda havia 9.626 "criminosos de guerra" presos na URSS, incluindo alemães e os próprios soviéticos, dos quais 2.000 eram sobreviventes de Stalingrado.
Não há limites para as atrocidades nas guerras. Quando os alemães invadiram a URSS com divisões panzers, os soviéticos inventaram uma arma não-convencional para explodir os poderosos tanques dos invasores. No melhor estilo pavloviano, treinaram cães oferecendo comida embaixo de tanques de guerra. Quando os animais, famintos, viam os panzers alemães, corriam para debaixo deles. No peito, levavam uma bomba, e nas costas, uma espécie de antena que, ao roçar o fundo do veículo, detonava a carga explosiva.
No Iraque, pelo menos 5.000 civis, que nada tinham a ver com a guerra, já foram mortos. Comoveu o mundo a história do menino Ali Ismail Abbas, que ficou órfão e perdeu os dois braços quando a casa dele foi bombardeada. "Se não conseguir de volta minhas mãos, cometerei suicídio", disse Ali, de 12 anos.
Mesmo com a TV ao vivo, não vimos um milésimo da tragédia humana escondida nesta guerra, que felizmente está terminando. Há, por certo, muitos dramas semelhantes ao de Ali no Iraque destroçado. Esta é a primeira grande guerra do século 21. Que seja a última.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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