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OPINIÃO ECONÔMICA
Que seja a última
BENJAMIN STEINBRUCH
Não dá para crer que guerras
ainda existam no século 21.
Elas foram a maior tragédia da
humanidade no século 20. Só na
Segunda Guerra Mundial morreram 50 milhões de pessoas, a
maioria civis. É como se, num terremoto, fossem varridas do mapa
todas as pessoas que moram nos
Estados de São Paulo e do Rio.
Obcecados por causas políticas e
com frieza glacial, os senhores do
mundo esquecem que as operações militares deixam para trás
sofrimentos inconsoláveis. No século 20, costumávamos tomar conhecimento do aspecto humano
das guerras pelo cinema ou pelos
livros, muito tempo depois que
elas terminavam. Nesta guerra do
Iraque, muita desgraça pode ser
vista ao vivo, na televisão, 24 horas por dia.
Felizmente, a TV ainda não
mostra tudo. Guerra ao vivo é um
programa que deveríamos banir
da vida de nossos filhos. Já basta o
que eles têm de aprender nos livros sobre os horrores das batalhas do passado.
Está nas livrarias brasileiras
uma obra magistral sobre a Segunda Guerra Mundial, "Stalingrado, o cerco fatal", escrita pelo
jornalista inglês Antony Beevor. É
útil para quem quiser meditar sobre as imundices da guerra. Narra a invasão alemã na Rússia e,
especialmente, a batalha de Stalingrado, uma das mais sangrentas da história de humanidade.
Beevor conta que, em outubro
de 1941, durante a estação das
chuvas na Rússia, os caminhões
alemães com os suprimentos para
os soldados muitas vezes encalhavam em alguns trechos das estradas. Para vencer a lama, usavam
normalmente troncos de bétula,
com os quais faziam uma "pista
de madeira". Em alguns lugares,
onde não havia bétula, utilizavam em seu lugar cadáveres de
russos como pranchas.
Antony Beevor não inventou
atrocidades como essa, tão cruéis
quanto as praticadas contra 6 milhões de judeus na Segunda Guerra. Ele pesquisou nos dois lados
do conflito, o alemão e o russo, leu
cartas de soldados e entrevistou
sobreviventes.
Os soviéticos perderam 26 milhões de pessoas na Segunda
Guerra. Hitler invadiu a URSS
em 1941, com 4 milhões de soldados. Nas três primeiras semanas
de combate, foram mortos 2 milhões de homens do Exército Vermelho, milhares executados pelos
próprios soviéticos. Por uma ordem escrita (nš 227) de Joseph
Stálin, também conhecida como
"Nem um passo atrás", o soldado
que recuasse ou se rendesse ao
inimigo seria considerado traidor
da pátria.
Stálin, um dos senhores do
mundo na época, dispunha da vida de seu povo. Por ordem dele,
cada exército tinha de organizar
destacamentos de até 200 homens
para formar uma segunda linha
de batalha, cuja obrigação era fuzilar qualquer homem que tentasse fugir do combate.
Calcula-se que, só em Stalingrado, os soviéticos tenham executado 13 mil de seus próprios soldados. Outros milhares foram presos. Em 1955, dez anos depois do
fim do conflito, ainda havia 9.626
"criminosos de guerra" presos na
URSS, incluindo alemães e os próprios soviéticos, dos quais 2.000
eram sobreviventes de Stalingrado.
Não há limites para as atrocidades nas guerras. Quando os
alemães invadiram a URSS com
divisões panzers, os soviéticos inventaram uma arma não-convencional para explodir os poderosos tanques dos invasores. No
melhor estilo pavloviano, treinaram cães oferecendo comida embaixo de tanques de guerra.
Quando os animais, famintos,
viam os panzers alemães, corriam
para debaixo deles. No peito, levavam uma bomba, e nas costas,
uma espécie de antena que, ao roçar o fundo do veículo, detonava
a carga explosiva.
No Iraque, pelo menos 5.000 civis, que nada tinham a ver com a
guerra, já foram mortos. Comoveu o mundo a história do menino Ali Ismail Abbas, que ficou órfão e perdeu os dois braços quando a casa dele foi bombardeada.
"Se não conseguir de volta minhas mãos, cometerei suicídio",
disse Ali, de 12 anos.
Mesmo com a TV ao vivo, não
vimos um milésimo da tragédia
humana escondida nesta guerra,
que felizmente está terminando.
Há, por certo, muitos dramas semelhantes ao de Ali no Iraque
destroçado. Esta é a primeira
grande guerra do século 21. Que
seja a última.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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