São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004 |
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ARTIGO Crise difere dos anos 70, o que assusta
PAUL KRUGMAN
A Agência Internacional da Energia estima que a capacidade excedente de produção fique em cerca de 2,5 milhões de barris ao dia, e praticamente toda ela se localiza no golfo Pérsico. A agência prevê, igualmente, que a demanda mundial por petróleo em 2004 será em média 2 milhões de barris ao dia mais elevada que em 2003. Agora imagine o que poderá acontecer caso haja mais ataques bem-sucedidos dos insurgentes iraquianos contra os oleodutos do país ou se surgir instabilidade na Arábia Saudita. De fato, mesmo sem problemas de oferta, é difícil ver de onde virá o petróleo necessário a atender a demanda. Mas espere: a economia diz que os mercados lidam facilmente com casos de procura superior à oferta. Os preços sobem, os produtores têm incentivo para produzir mais e os consumidores têm incentivo para consumir menos, o que reequilibra o mercado. Será que isso não se aplica ao petróleo? Sim, se aplica. A questão é quanto tempo o processo demorará e para onde vão os preços enquanto ele se desenrola. Para considerar o problema, pensem na gasolina. Preços elevados sustentados estimularam a produção de automóveis que usam combustível de maneira mais eficiente: nos anos 90, o veículo norte-americano médio rendia quilometragem por litro 40% maior do que a média de 1973. Mas a substituição de velhos modelos por novos leva anos. Em sua resposta inicial a uma escassez de gasolina, as pessoas precisam economizar combustível usando menos os seus carros, algo que elas só costumam fazer diante de preços muito, muito elevados. Por isso, preços muito, muito elevados são o que teremos. Elevar a capacidade de produção demora ainda mais tempo do que substituir os modelos de carros. Além disso, as novas descobertas são cada vez mais raras no ramo do petróleo (ainda que em minha mais recente coluna sobre o tema eu tenha esquecido de mencionar dois grandes campos no Cazaquistão, um descoberto em 1979 e um em 2000). Os engenheiros petrolíferos continuam a extrair o máximo possível de petróleo dos campos conhecidos, mas uma repetição da experiência posterior à crise de 1973, com grande aumento da produção em países não integrados à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), parece improvável. Assim, os preços do petróleo se manterão altos e podem subir ainda mais mesmo que não surjam más notícias no Oriente Médio. Caso elas surjam, teremos de encarar uma verdadeira crise, capaz de causar sérios danos econômicos. Cada aumento de US$ 10 no preço do petróleo é como um aumento de US$ 70 bilhões ao ano nos impostos dos consumidores norte-americanos, arrecadado via inflação. A alta nos preços ao produtor, um mês atrás, foi um indício do que pode acontecer caso os preços se mantenham elevados. Aliás, depois da revolução iraniana, em 1979, os preços mundiais do petróleo atingiram a casa dos US$ 60, em dólares atuais. Estagflação Será que um choque do petróleo poderia causar estagflação à maneira dos anos 70 -uma combinação de inflação e desemprego crescente? Bem, diversos fatores são reconfortantes e implicam que sejamos menos vulneráveis agora. A despeito da ascensão dos utilitários esportivos, os consumidores norte-americanos hoje consomem, por dólar de PIB, apenas 50% do petróleo usado em 1973. Além disso, nos anos 70, a economia já estava se encaminhando à inflação, dada a predominância das cláusulas de correção monetária nos contratos trabalhistas e a experiência de inflação passada, o que permitiu que o aumento do petróleo alimentasse rapidamente uma espiral de alta de preços e salários. A probabilidade de que isso aconteça hoje é menor. Ainda assim, caso surja um problema sério de oferta, o mundo terá de viver com menos petróleo, e isso só poderá acontecer, em curto prazo, por meio de uma desaceleração global. Uma recessão causada pela alta do petróleo não parece implausível. Portanto o momento é incômodo para promover uma política externa que promete transformação radical no Oriente Médio -e ainda mais para fracassar de maneira tão lastimável nessa empreitada. Paul Krugman, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Tradução de Paulo Migliacci Texto Anterior: Sem novas plataformas, cai 6,5% a produção nacional da Petrobras Próximo Texto: O vôo da águia: Produção aumenta e inflação cai nos EUA Índice |
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