São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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YOSHIAKI NAKANO

A inflação de preços de ativos


A valorização do real é mais um episódio que reflete o excesso de liquidez, ou seja, a escassez de ativos globais


HÁ CONCORDÂNCIA cada vez maior de que por trás do forte ataque especulativo para apreciação do real está o excesso de liquidez global. Estamos vivendo nos últimos anos sucessivas bolhas especulativas que se traduzem em inflação de preços de ativos financeiros, e a apreciação do real é mais um episódio que reflete esse excesso de liquidez, ou seja, a escassez de ativos em escala global. O real tem se apreciado, fundamentalmente, enquanto ativo financeiro num processo no qual o excesso de liquidez global busca retornos elevados no mercado financeiro nacional, retorno dado pelo diferencial da taxa de juros mais a taxa de apreciação do real. O espetacular aumento do índice Bovespa e o início de valorização dos imóveis são expressões do mesmo fenômeno.
Dois fatos são fundamentais para compreender o excesso de liquidez global e a escassez de ativos financeiros. Em primeiro lugar, com a globalização e, particularmente, a incorporação da China e outros países asiáticos à economia global, existe uma forte pressão deflacionária em escala mundial. Nesse contexto, diversos países adotaram a política de metas de inflação, abandonando o controle dos agregados monetários. Um indicador de liquidez global desenvolvido pelo Deutsche Bank mostra que esta tem crescido mais rápido do que o PIB. Além disso, o mercado financeiro global também se desenvolveu com a multiplicação de inovações, elevando sua capacidade de transformar em liquidez imediata a riqueza dos países.
Em segundo lugar, o excesso de liquidez global é a faceta financeira do enorme déficit em transações correntes dos Estados Unidos. A integração financeira de mercados financeiros nacionais desenvolvidos, capazes de gerar ativos aceitos pelo mercado, como o dos EUA, e pouco desenvolvidos, com capacidade limitada de gerar ativos, dos países em desenvolvimento, traduziu-se num fenômeno global de escassez de ativos. Em outras palavras, a poupança dos países em desenvolvimento, não encontrando ativos confiáveis no mercado financeiro local, busca ativos no mercado financeiro dos EUA e daí a possibilidade de este último ter enormes déficits em transações correntes. Assim, em 2006 o fluxo de capitais para o seu mercado financeiro foi superior a US$ 1 trilhão. A outra face desse fenômeno é que os EUA tiveram o déficit em transações correntes de US$ 857 bilhões financiado pelos superávits dos países emergentes da Ásia, do Oriente Médio, da Rússia e de alguns países latino-americanos, que tiveram superávit em transações correntes de US$ 705 bilhões. Para completar os US$ 857 bilhões, o Japão e alguns europeus tiveram também superávit de US$ 152 bilhões.
Nesse quadro, como o excesso de liquidez global e a escassez de ativos financeiros têm um componente estrutural oriundo da integração financeira global de mercados financeiros com diferentes níveis de desenvolvimento, bolhas especulativas deverão persistir com episódios de inflação de preços de ativos. Portanto o surto de apreciação do real só será controlado a partir de uma reformulação da política monetária e cambial que leve em consideração esse fenômeno.


YOSHIAKI NAKANO , 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).


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