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OPINIÃO ECONÔMICA
FMI e pobreza: fatos, factóides e versões
MAILSON DA NÓBREGA
Desinformação e preconceito
têm dificultado o correto entendimento sobre o Fundo Monetário Internacional e sobre os objetivos de seus acordos com o Brasil. Dessa vez, esse binômio deu
lugar a um festival de interpretações equivocadas sobre o discurso em que Michel Camdessus, seu diretor-gerente, abordou o tema da pobreza.
Ser contra o FMI e sua atuação não constitui erro. O Fundo
é, afinal, uma espécie de Geni
internacional. São muitos os
que lhe jogam pedras. A direita
norte-americana quer sua extinção, acadêmicos de Harvard
o acusam de erros na Ásia e segmentos da esquerda latino-americana não param de satanizá-lo.
O destaque por aqui é o elevado grau de puerilidade do sentimento antifundo. Falta dinheiro
para presídios e cestas básicas? É
maldade do FMI. Condene-se o
Fundo por "insensibilidade" e o
governo por "subserviência".
Se estudassem melhor o assunto, esses críticos poderiam
aprender que os acordos com o
Fundo envolvem questões macroeconômicas e metas globais.
As prioridades dos gastos continuam uma responsabilidade
dos governos.
Infelizmente, a abordagem do
tema tem lançado mais treva do
que luz sobre o debate em torno
das recomendações de política
econômica do FMI. Em lugar da
crítica séria, aparece o comentário ligeiro, às vezes burlesco e
rançoso.
Parte da mídia cria um ar de
mistério sobre o FMI. Fica a sensação de encontros subterrâneos,
em ambientes úmidos e tétricos.
O Fundo e o governo se reuniram "a portas fechadas", diz-se,
como se as reuniões devessem
acontecer a portas abertas.
Ondas de conclusões epidérmicas e desprovidas de sentido, de
tão repetidas, viram verdade absoluta. É o que se passou com o
citado discurso de Camdessus,
pronunciado na última reunião
anual do Fundo, em 28/9/99.
Camdessus invocou teatralmente um bilhete escrito por dois
adolescentes de Guiné, que morreram ao tentar chegar à Europa
no trem de pouso de um avião.
Eles falaram do sofrimento na
África: guerras, doenças, fome,
falta de direitos às crianças.
Camdessus pediu, então, que se
ouvisse o grito dos pobres.
Usando largamente da retórica, talvez para ganhar a simpatia de críticos superficiais, Camdessus pediu um grande esforço
para a erradicação da pobreza.
Citou vários documentos, entre
eles a Declaração de Copenhague sobre o Desenvolvimento Social, de março de 1995, segundo a
qual a proporção de pessoas vivendo em extrema pobreza nos
países em desenvolvimento deveria ser reduzida pelo menos à
metade até 2015.
Uma leitura cuidadosa do texto mostra que o FMI não mudou.
Não vai patrocinar aumento de
gastos públicos para combater a
pobreza. Seu papel, reiterado em
recomendações de recente auditoria, deve ser cada vez mais centrado nos aspectos macroeconômicos dos programas que contam com seu apoio.
Sua contribuição ao combate à
pobreza será o perdão de dívidas
de países muito pobres e altamente endividados, em linha
com medida idêntica adotada
pelas nações industrializadas.
Para tanto, vai vender parte de
seu estoque de ouro.
No Brasil, todavia, os títulos de
capa dos principais jornais asseguraram que o FMI se transformara. Camdessus teria até fixado um ano para o fim da pobreza: 2015 (na verdade uma data
mencionada na declaração de
Copenhague).
A sensação é que poucos leram
o texto, que está disponível na
Internet (www.imf.org). Incríveis
conclusões foram extraídas das
manchetes. Um jornal informou
que o FMI havia questionado o
"Consenso de Washington", que
não está mencionado nem sequer insinuado no discurso.
Vejam esta de um economista
do PT: "O reconhecimento até
pelo FMI do completo fracasso
de suas políticas monetaristas e
neoliberais abre um espaço, embora limitado, para difundir a
visão e as propostas da oposição
com relação à questão social".
Os políticos comemoraram. Segundo eles, chegou a hora de rever o acordo com o FMI para
permitir o aumento dos gastos
"sociais" e gerar "alívio" na economia. Afirmou-se até que o
Fundo ecoava a proposta antipobreza de um senador brasileiro.
O FMI tem seus erros. Afinal,
ele é composto por seres humanos. São burocratas internacionais não submetidos a qualquer
controle social. Mesmo assim, a
revista "The Economist", que
também tem suas críticas, reconhece sensatamente que, se o
FMI não existisse, teria que ser
inventado.
Se o FMI merece ou não as críticas, é assunto para intermináveis discussões. O que não dá para aguentar são as asnices ditas
no Brasil a seu respeito nos últimos dias.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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