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OPINIÃO ECONÔMICA
Lições da carne
GESNER OLIVEIRA
O aparecimento de foco de
febre aftosa em Mato Grosso
do Sul constitui mais um erro
grave de política pública. Atribuir a culpa aos produtores, como fez o presidente Lula nesta semana, ofende não apenas a classe produtora mas o bom senso.
Em vez de encontrar bodes expiatórios, é preciso atacar o problema e derivar as lições corretas
para evitar novas crises.
O custo do episódio ainda está
em aberto. Estima-se que a perda
de receita de exportação possa
chegar a US$ 1 bilhão em prazo
de 12 meses. Mas tal número depende naturalmente da abrangência e da duração do embargo
dos parceiros comerciais do Brasil.
O impacto sobre a inflação é
ambíguo. O aparecimento da febre aftosa representa um choque
simultâneo de demanda e oferta.
A demanda externa se contraiu
subitamente com o embargo,
mas o mesmo ocorreu com a oferta, em virtude do fechamento da
fronteira das regiões afetadas. O
efeito líquido sobre o preço da
carne dependerá da intensidade
de cada um desses choques.
Há pelo menos cinco lições
principais a serem retidas. Em
primeiro lugar, não se faz economia de palito. A cada contingenciamento linear dos recursos do
Orçamento, várias despesas essenciais deixam de ser feitas, e os
efeitos nefastos são inevitáveis. O
resultado do corte efetuado nos
gastos de defesa sanitária se tornou visível nesse caso com o surto
de febre aftosa e o conseqüente
embargo internacional. Mas
quantos outros problemas estão
sendo gestados na atualidade?
Quantos produtos deixam de entrar no mercado pela lentidão da
burocracia? Ou pela morosidade
do sistema de registro de marcas
e patentes? Embora difíceis de serem mensurados, tudo indica
que tais custos não são pequenos.
Em segundo lugar, não é suficiente cobrar a vacinação do gado de cada produtor individual.
Isso se deve a um fato simples: o
que está em jogo não é apenas o
patrimônio daquele produtor
mas um valor muito maior e intangível da imagem do produto
nos mercados nacional e internacional. A vacinação constitui
exemplo típico no qual ocorre
uma externalidade positiva. Esse
jargão é utilizado para descrever
uma situação na qual o benefício
social de uma atividade (vacinação) é maior do que o privado,
justificando estímulo por parte
do setor público mediante subsídio.
Em terceiro lugar, o problema
não se restringe à vacinação adequada. É preciso fiscalização e
rastreabilidade. Cada animal
precisa ter CIC e RG. É preciso
igualmente promover mais esforços no sentido de cumprir o cronograma de implementação do
sistema brasileiro de identificação e certificação de origem bovina e bubalina (Sisbov).
Em quarto lugar, não adianta
fazer todo esse esforço sem o consumidor ficar sabendo. É preciso
chamar a atenção para as vantagens da carne brasileira e isso significa gasto com promoção comercial. Não basta, neste momento, tranqüilizar os clientes
principais acerca da gravidade
da situação. É preciso transmitir
que o principal interessado em
garantir a qualidade do produto
e em evitar novos surtos é o próprio Brasil.
Em quinto lugar, a implementação do conjunto de políticas
para uma cadeia produtiva como
a carne requer perfeita coordenação entre os governos estaduais e
federal. A natureza de atividade
de fiscalização e regulamentação
da defesa animal requer a constituição de agências estaduais e federal devidamente capacitadas.
A situação brasileira está longe
da ideal.
Muitas vezes se imagina que a
agregação de valor na pauta de
exportação se dá apenas pela
venda de produtos mais sofisticados tecnologicamente. Embora
tais itens possam de fato agregar
valor, a exportação de commodities como a carne exige crescente
investimento em serviços e diferenciação do produto. Se bem-sucedidas, tais ações podem diferenciar o produto nacional e conferir prêmio em termos de preço.
Infelizmente, contudo, o imediatismo da política governamental
está apontando no sentido oposto. A crise da febre aftosa poderia
ao menos servir para uma mudança efetiva de rumo.
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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