São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

China pode ser a grande vitoriosa da crise

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Estamos em plena temporada de apostas contra a economia chinesa. Nos últimos dias, as autoridades de Pequim vieram novamente a público afirmar que não vão desvalorizar o câmbio, apesar da forte piora nos indicadores de crescimento econômico e do saldo no comércio exterior.
Se os chineses conseguirem escapar à especulação, podem ser os grandes vitoriosos na crise financeira do final do século 20. Praticamente todos os outros grandes mercados emergentes estão saindo "de joelhos" da crise (supondo que o pior, se já não passou, está perto do fim).
Acordos com o FMI, recessões profundas, quebra de bancos, situações que se fazem acompanhar de abertura ainda maior das economias e perda de soberania são comuns agora na Rússia, no Brasil ou no México. Mas os gigantes da Ásia (além da China, também a Índia e, no grupo dos ricos, o Japão) por enquanto estão reafirmando suas vocações de maior independência e liderança.
A China, sem muito alarde, está promovendo uma ampla reforma em seu sistema financeiro doméstico, que inclui até moratória sobre débitos externos, fechamento de mercados e limitações cada vez mais fortes a operações com capital estrangeiro no país.
Os jornais têm publicado essas notícias, mas praticamente sem destaque. Parece incômodo, para dizer o menos, constatar que uma das economias mais importantes do mundo está enfrentando a crise sem adotar o modelo do FMI, sem abrir mais a economia, sem desvalorizar o câmbio e, pecado dos pecados, suspendendo pagamentos a credores externos ou impondo restrições aos capitais estrangeiros.
Aliás, a China também está dando curiosos exemplos de administração "clássica" de crises: admite que grandes empresas quebrem. Na semana passada, por exemplo, quebrou uma das maiores empresas produtoras de açúcar do país.
Foi a maior falência da história chinesa (US$ 85 milhões em dívidas não pagas). Nem por isso os mercados globais tremeram ou a China colocou os juros nas alturas para atrair capitais externos.
Parece que há um bloqueio mental ou ideológico geral diante do ajuste chinês. Entre os grandes emergentes, a China é hoje o menos vulnerável e com maior potencial no longo prazo.
Aliás, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de publicar um estudo original sobre a evolução histórica da China ("Chinese Economic Performance in the Long Run", escrito por Angus Maddison). O trabalho examina o desenvolvimento chinês desde os primórdios.
Entre as conclusões relativas ao período mais recente e ao futuro menos distante, Maddison estima que mesmo caindo a uma taxa de 5,5% ao ano, o crescimento econômico da China vai colocá-la em pé de igualdade com os Estados Unidos em 2015. Neste momento, o PIB chinês seria o equivalente a 17% do PIB mundial. Mesmo com uma renda per capita inferior à dos EUA, o país teria um poder respeitável na geopolítica global.
Outro dado relevante do estudo é uma reavaliação da abertura econômica chinesa, que seria muito menor do que se imagina: apenas 5% do PIB. E as restrições a importações continuam muito importantes, já que a China nem sequer é filiada à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Apec
Neste final de semana começa em Kuala Lumpur, na Malásia, a cúpula do Fórum de Cooperação Econômica da Ásia e Pacífico (Apec). Os conflitos de bastidor nos últimos dias são outro bom exemplo de como a Ásia, apesar dos US$ 144 bilhões que o FMI já comprometeu com a região, continua avessa ao modelo ocidental.
O Japão continua tentando montar seu próprio pacote de ajuda regional, de US$ 30 bilhões. Os EUA têm outra proposta de ajuda financeira, que inclui o perdão de dívidas (em boa medida, com bancos japoneses), mas exige maior abertura comercial.
Aparentemente, a ajuda financeira dos EUA não sairá sem compromissos maiores com a liberalização comercial. Mas é exatamente esse compromisso que os asiáticos, a começar pelo Japão, estão querendo evitar.



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