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OPINIÃO ECONÔMICA
Um pouco de verdade não faz mal a ninguém
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Na semana passada, esta coluna fez a defesa da nova
política cambial que está sendo
seguida pelo Banco Central nesta
época de real forte. Nos dias que
se seguiram à essa guinada do governo, as discussões sobre suas razões e conseqüências foram intensas e profundas. O debate econômico no Brasil é um dos pontos
fortes de nossa sociedade. Talvez
poucos países tenham condições
de competir com o nosso nesse
campo. Posso afirmar isso com a
convicção de quem, por dever
profissional e gosto, acompanha
diariamente as reflexões sobre o
que ocorre nas principais economias.
Os desafios para a análise econômica, de curto e longo prazo,
são hoje gigantescas. As mudanças constantes e complexas no fenômeno econômico são, em minha opinião, as causas mais importantes dessas dificuldades. Tomemos o exemplo da China, nação que hoje influencia de forma
marcante as economias dos países mais importantes. Há dez
anos isso não acontecia.
Outro fator importante de mudança na dinâmica da economia
mundial é a atual plataforma de
telecomunicações em nível global,
que foi implantada nos últimos
anos. A facilidade de comunicação, seja pelo instrumento da voz,
seja pela transmissão eletrônica
de dados e informações, está mudando de forma profunda a dinâmica pela qual os negócios se realizam. A modificação nos canais
de transmissão, entre o nível da
atividade econômica e o mercado
de trabalho, é talvez o resultado
mais importante desse fenômeno.
Pela primeira vez na história do
capitalismo, assistimos ao início
de um processo claro de arbitragem entre vários mercados nacionais de mão-de-obra.
Nesse novo mundo, é necessário
que os conceitos e as intenções por
trás das decisões econômicas sejam claros e verdadeiros. Essa imposição é particularmente forte
no caso dos governos nacionais.
Uma das discussões em curso nos
EUA procura refletir sobre a forma como o Federal Reserve deve
comunicar suas decisões ao mercado. A tradição diz que as palavras e as decisões da autoridade
monetária devem ser oblíquas e
imprecisas; hoje se discutem, até
dentro do Fed, novas regras que
privilegiem a clareza e a transparência de suas intenções e atos.
Faço essas considerações mais
gerais para chegar ao ponto que
gostaria de refletir com meus leitores. O Banco Central do Brasil
não foi claro ao explicar as razões
e os objetivos de sua decisão de
passar a intervir diretamente no
mercado de câmbio. Segundo essa
instituição, o objetivo de sua nova
posição seria reforçar as reservas
brasileiras neste momento favorável do mercado internacional
de capitais. Não haveria nenhuma intenção de afetar a taxa nominal de câmbio neste momento
em que ela se encontra submetida
a uma enorme pressão pela entrada significativa de capitais de
natureza financeira.
O BC tem uma razão objetiva
para escolher esse caminho. Ele
sabe que não pode estabelecer um
piso para o valor do real -"traçar uma linha na areia", como se
diz no mercado-, sob o risco de
perder a flexibilidade necessária
para operar sua política de juros.
Essa armadilha ocorre em situações de oferta excessiva ou de escassez de moeda estrangeira no
mercado. Nós já vivemos a situação de escassez, no primeiro mandato de FHC, e os resultados foram desastrosos. A situação de
excesso vem ocorrendo atualmente nas economias da Ásia, e os
problemas monetários criados
são evidentes.
Embora o BC esteja correto em
evitar a explicitação de um piso
no valor do real, deveria ter declarado que estava intervindo para administrar esse processo de
valorização de nossa moeda. Como não fez isso inicialmente, foi
obrigado, pelo mercado, a agir de
uma forma agressiva nos dias seguintes às suas primeiras intervenções. Agora está claro que a
intenção do Banco Central vai
além de uma simples política, correta e tardia, de aumento de reservas.
Posso imaginar o desconforto
de alguns dos diretores do Banco
Central com essa política. "O que
vão dizer na PUC do Rio?" posso
ouvir mesmo a mais de mil quilômetros de distância de Brasília.
Para esses senhores, que estão incomodados com essa interferência do governo na formação da
taxa de câmbio em um regime de
livre flutuação, resta o consolo de
ver o Banco Central Europeu, último bastião do "laissez faire"
cambial a ameaçar o mercado
com uma intervenção direta para
evitar a valorização especulativa
de sua moeda.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
Fernando Henrique Cardoso).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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