São Paulo, sexta-feira, 16 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um pouco de verdade não faz mal a ninguém

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na semana passada, esta coluna fez a defesa da nova política cambial que está sendo seguida pelo Banco Central nesta época de real forte. Nos dias que se seguiram à essa guinada do governo, as discussões sobre suas razões e conseqüências foram intensas e profundas. O debate econômico no Brasil é um dos pontos fortes de nossa sociedade. Talvez poucos países tenham condições de competir com o nosso nesse campo. Posso afirmar isso com a convicção de quem, por dever profissional e gosto, acompanha diariamente as reflexões sobre o que ocorre nas principais economias.
Os desafios para a análise econômica, de curto e longo prazo, são hoje gigantescas. As mudanças constantes e complexas no fenômeno econômico são, em minha opinião, as causas mais importantes dessas dificuldades. Tomemos o exemplo da China, nação que hoje influencia de forma marcante as economias dos países mais importantes. Há dez anos isso não acontecia.
Outro fator importante de mudança na dinâmica da economia mundial é a atual plataforma de telecomunicações em nível global, que foi implantada nos últimos anos. A facilidade de comunicação, seja pelo instrumento da voz, seja pela transmissão eletrônica de dados e informações, está mudando de forma profunda a dinâmica pela qual os negócios se realizam. A modificação nos canais de transmissão, entre o nível da atividade econômica e o mercado de trabalho, é talvez o resultado mais importante desse fenômeno. Pela primeira vez na história do capitalismo, assistimos ao início de um processo claro de arbitragem entre vários mercados nacionais de mão-de-obra.
Nesse novo mundo, é necessário que os conceitos e as intenções por trás das decisões econômicas sejam claros e verdadeiros. Essa imposição é particularmente forte no caso dos governos nacionais. Uma das discussões em curso nos EUA procura refletir sobre a forma como o Federal Reserve deve comunicar suas decisões ao mercado. A tradição diz que as palavras e as decisões da autoridade monetária devem ser oblíquas e imprecisas; hoje se discutem, até dentro do Fed, novas regras que privilegiem a clareza e a transparência de suas intenções e atos.
Faço essas considerações mais gerais para chegar ao ponto que gostaria de refletir com meus leitores. O Banco Central do Brasil não foi claro ao explicar as razões e os objetivos de sua decisão de passar a intervir diretamente no mercado de câmbio. Segundo essa instituição, o objetivo de sua nova posição seria reforçar as reservas brasileiras neste momento favorável do mercado internacional de capitais. Não haveria nenhuma intenção de afetar a taxa nominal de câmbio neste momento em que ela se encontra submetida a uma enorme pressão pela entrada significativa de capitais de natureza financeira.
O BC tem uma razão objetiva para escolher esse caminho. Ele sabe que não pode estabelecer um piso para o valor do real -"traçar uma linha na areia", como se diz no mercado-, sob o risco de perder a flexibilidade necessária para operar sua política de juros. Essa armadilha ocorre em situações de oferta excessiva ou de escassez de moeda estrangeira no mercado. Nós já vivemos a situação de escassez, no primeiro mandato de FHC, e os resultados foram desastrosos. A situação de excesso vem ocorrendo atualmente nas economias da Ásia, e os problemas monetários criados são evidentes.
Embora o BC esteja correto em evitar a explicitação de um piso no valor do real, deveria ter declarado que estava intervindo para administrar esse processo de valorização de nossa moeda. Como não fez isso inicialmente, foi obrigado, pelo mercado, a agir de uma forma agressiva nos dias seguintes às suas primeiras intervenções. Agora está claro que a intenção do Banco Central vai além de uma simples política, correta e tardia, de aumento de reservas.
Posso imaginar o desconforto de alguns dos diretores do Banco Central com essa política. "O que vão dizer na PUC do Rio?" posso ouvir mesmo a mais de mil quilômetros de distância de Brasília. Para esses senhores, que estão incomodados com essa interferência do governo na formação da taxa de câmbio em um regime de livre flutuação, resta o consolo de ver o Banco Central Europeu, último bastião do "laissez faire" cambial a ameaçar o mercado com uma intervenção direta para evitar a valorização especulativa de sua moeda.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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