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OPINIÃO ECONÔMICA
A dor da pátria
RUBENS RICUPERO
Dos integrantes da geração espanhola de 1898, humilhados
pela derrota diante dos Estados
Unidos, a perda de Cuba, Porto
Rico, as Filipinas, dizia-se que
"les dolía España", que a Espanha lhes doía.
Unamuno, um deles, foi o homem do "sentimento trágico da
vida". Azorin, que teria criado o
mito da "geração de 98" em artigos no jornal "ABC", atribuía a
esse movimento o propósito de
reagir contra a decadência de
uma "Espanha fúnebre, submetida aos prazeres dos espetáculos de crueldade e morte".
Tirando a referência às touradas (que acabam de perder Antonio Ordoñez, uma de suas glórias), esse sentimento de dor da
pátria não está distante do que
se tem ao ler o noticiário que
chega dos jornais brasileiros
nestes primeiros dias do ano pelas ondas da Internet: o Brasil
dói em nós.
Admito que a amostragem é
parcial, seletiva, que não se tem
acesso ao jornal inteiro. Perde-
se, sobretudo, todo o resto: as
praias, o sol, o cheiro do verão, a
música, a vitalidade e o dinamismo do povo. Mas, certo ou
errado, o que se capta desses artigos não tem nada a ver com o
que seria natural esperar no
momento em que tantos começos se reforçam mutuamente: o
do governo, o do ano, o do século, o do milênio. Onde estão a esperança, a animação de todo começo, a alegria, evocada por
João Cabral, do caderno novo
que se inicia?
Por outro lado, falar em fúnebre talvez seja um pouco forte.
Triste, apreensivo, desalentado,
serão, quem sabe, adjetivos
mais apropriados para descrever a atmosfera de país que
transparece desses escritos. Qual
seria a explicação?
Decadência certamente não
pode ser, pois é fenômeno que só
tem cabimento quando houve
antes apogeu, como na Espanha, com seu século de ouro, seu
império onde o sol jamais se punha.
Fracasso, vontade de emigrar,
também não é. Foi esse o caso
nos anos 80, quando a estagflação se somava à falta de liberdade para criar a impressão de que
a economia e a política, tudo estava contra nós. Até mesmo,
pouco depois o destino, sob a
forma da inesperada morte de
Tancredo, mais tarde, o "impeachment" de Collor.
Desta vez trata-se mais da
frustração nascida da consciência de que não conseguimos terminar o que iniciamos e mesmo
a obra incompleta ameaça voltar-se contra nós. No fundo, sabemos que não nos saímos tão
mal assim em consolidar a democracia de massas, imperfeita
vá lá, de gente extremamente
pobre, quase sem acesso à informação. No entanto muito mais
ampla e universal do que jamais
tivemos no passado. Tampouco
se deve minimizar o valor da estabilidade alcançada depois de
30 anos de inflação crônica e de
indexação. São conquistas a
preservar e nisso o instinto do
povo não se engana, como indicam as pesquisas.
O problema é que a democracia e a estabilidade parecem estagnadas, sem fôlego para nos
aproximar das metas que faltam: crescimento, emprego, o
fim da injustiça e da miséria.
Pior, tem-se às vezes a sensação
de que o preço para conservar o
que conquistamos a duras penas
é renunciar a tudo o que nos resta a alcançar, que a condição
para ter maioria em nosso tipo
de democracia é fazer concessões a interesses que bloqueiam
a mudança social. É desse impasse que surge a frustração,
agravada pelo derrotismo diante de nossa suposta impotência
diante dos mercados financeiros
internacionais.
As encruzilhadas decisivas na
vida nas nações necessitam de
gerações à altura do desafio. Como foi o caso dos intelectuais espanhóis de 98, dos americanos
da "geração perdida" da Grande Depressão, que incluiu nomes como Faulkner, Hemingway, Fitzgerald e os criadores do
New Deal.
No Brasil, tivemos ao menos
duas experiências dessa importância, a primeira no ocaso do
Império, a partir de 1870, com
gente tão diversa como Tobias
Barreto, Sílvio Romero e outros
integrantes da Escola de Recife,
os republicanos históricos, os
abolicionistas, os positivistas,
culminando na maturidade de
Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha.
A segunda coincide com a agonia da República Velha e cobre
manifestações como a Semana
de Arte Moderna, o início do Tenentismo com os 18 do Forte de
Copacabana, a fundação do
Partido Comunista, do Centro
Dom Vital, todos em 1922, desembocando na revolução de 30
e nos grandes intérpretes do
Brasil dessa época: Gilberto
Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.
Embora distintas, essas experiências sempre apresentam
dois elementos: a renovação da
cultura e um projeto autônomo
de nação. Em outras palavras,
os dois ingredientes indispensáveis a que um povo restabeleça a
confiança em si próprio. Se, para isso, é preciso passar pela dor,
que assim seja: terá valido a pena.
Rubens Ricupero, 61, secretário-geral da
Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro
da Fazenda (governo Itamar Franco), escreve
aos sábados nesta coluna.
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